Com os avanços da medicina e a eficácia dos remédios modernos, atualmente o portador do vírus HIV, ou mesmo o doente de AIDS, propriamente dito, conseguem viver cada vez mais tempo e com uma maior qualidade de vida. Porém, embora as leis venham tentando acompanhar essa realidade, ainda há um descompasso entre o direito e as efetivas necessidades dessas pessoas, principalmente no mundo do trabalho. Não é de hoje que os soropositivos já podem sacar valores da conta vinculada ao FGTS. A Lei 8.036/90 foi alterada para se adequar à nova situação. Apesar de louvável o empenho do legislador, ainda há muito por fazer, pois a lacuna na legislação é grande.
É inegável que aqueles que têm o vírus HIV em seu organismo sofrem discriminações na sociedade. E isso não é diferente nas relações trabalhistas. Na ausência de previsão, em nosso ordenamento jurídico, de garantia de emprego para essas pessoas, o empregador, de forma cômoda, pode dispensá-las, sem justa causa, desde que pague corretamente as verbas rescisórias. No entanto, atenta a esse quadro, a jurisprudência trabalhista vem firmando o entendimento de que, dispensado o trabalhador portador do vírus HIV, havendo alegação, pelo empregado, de que o ato decorreu de discriminação, o empregador é quem vai ter que provar o contrário.
O juiz do trabalho substituto Renato de Paula Amado, em um processo julgado na Vara do Trabalho de Ouro Preto, fez bela reflexão do papel do magistrado na sociedade e, valendo-se da inversão do ônus da prova, deferiu os pedidos de uma trabalhadora, portadora do vírus HIV desde 2003, que foi dispensada, no ano de 2010, pelo empregador, um hospital da cidade. Diante do requerimento, feito pela reclamante, de declaração de nulidade da dispensa, o reclamado limitou-se a sustentar a falta de amparo legal para o deferimento do pedido. E o julgador concordou que, de fato, a lei não estabelece garantia de emprego para o soropositivo e, no caso, não há norma coletiva da categoria prevendo essa estabilidade.
Segundo esclareceu o juiz, não existindo norma expressa a assegurar o direito pretendido pela trabalhadora, seria bastante prático e rápido decidir contrariamente ao que foi pedido. No entanto, na sua visão, o magistrado não pode ser um mero aplicador da lei, devendo, em cada caso, buscar o real objetivo das normas e da Constituição Federal, tendo sempre como alicerce a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da não discriminação, da solidariedade e, principalmente, o direito à vida. "Portanto, mesmo que não haja previsão expressa da garantia de emprego, entendo que a reintegração, no presente caso, atende aos ditames constitucionais dos direitos fundamentais, visto que são ações afirmativas como esta que permitem a igualdade de indivíduos que se encontram em uma situação que os inferioriza", ressaltou.
E tem mais, frisou o magistrado. Em vez de simplesmente dispensar a reclamante, o hospital deveria ter realizado a sua função social prevista na Constituição e manter a empregada no trabalho, o que, certamente, daria a ela mais força e ânimo para lutar contra a enfermidade. A dispensa sem justa causa da empregada, no momento em que ela mais precisava do emprego, no seu entender, leva à presunção de que houve discriminação. E o hospital reclamado, a quem cabia demonstrar o contrário, conforme o entendimento jurisprudencial dominante, nada comprovou.
Fonte: Jornal Jurid.