Não era previsível que os Estados Unidos assumissem a defesa do Estado
Palestino de acordo com as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis
Dias, em 1967. Vários países já haviam tomado essa posição, inclusive
o Brasil, e essa atitude foi considerada uma maneira de encaminhar
eventuais negociações a partir de uma reivindicação-chave da causa
palestina, o que certamente limita a margem de manobra de Israel se e
quando as negociações começarem.
No domingo, durante um debate de que participei no Copacabana Palace
em comemoração aos 63 anos de Israel, promovido pelo consulado
israelense do Rio, tive oportunidade de falar sobre esse tema,
justamente enfatizando que tentar iniciar uma negociação impondo
limites não seria o caminho mais lógico para se chegar a um acordo
realmente viável.
Era previsível, portanto, a reação do primeiro-ministro israelense,
Benjamin Netanyahu, que considerou a proposta de Barack Obama
"indefensável", embora até mesmo analistas israelenses tenham
encontrado nas palavras do presidente americano pontos favoráveis a
Israel.
"O sonho de um Estado judeu e democrático não pode ser cumprido com a
ocupação permanente", disse Obama, para justificar o estabelecimento
de limites de 67. Mas, em troca do estabelecimento de um Estado
Palestino baseado nas fronteiras de 1967, Obama falou em "troca de
terras acordadas" entre palestinos e Israel, o que está sendo
interpretado como um apoio a reivindicações de Israel.
Obama também foi enfático ao desencorajar os palestinos de uma
tentativa de criação unilateral de seu Estado: "As ações simbólicas
para isolar Israel nas Nações Unidas em setembro não vão criar um
Estado independente."
Outro ponto que debatemos no domingo foi o significado da união entre
o Hamas e o Fatah. Tendo a concordar com o ex-presidente americano
Jimmy Carter em que somente com a representação palestina unida seria
possível uma negociação com Israel.
A questão é saber qual das lideranças será preponderante, e me juntei
aos que consideram mau sinal a exigência do Hamas de substituição do
premier da Cisjordânia, Salam Fayyad, considerado o dirigente
palestino mais respeitado no Ocidente, que faz uma revolução econômica
na região capaz de criar um sistema de segurança que, segundo o "New
York Times", inspira confiança até mesmo em Israel.
O presidente Barack Obama mandou nesse sentido um recado para os
palestinos: "Os líderes palestinos não vão alcançar a paz ou a
prosperidade se o Hamas insiste em um caminho de terror e da rejeição.
E os palestinos nunca vão atingir a sua independência, negando o
direito de Israel a existir."
Será preciso, portanto, que o Hamas abdique de ações militares contra
Israel e retire de seu estatuto o objetivo de destruir o Estado judeu.
Mas Obama também chamou a atenção para o fato de que "a atividade de
construção nos assentamentos israelenses afastou os palestinos das
negociações".
Obama lembrou que a América está comprometida com a segurança de
Israel e que isso é "inabalável", mas acrescentou que, "precisamente
por causa da nossa amizade, é importante que se diga a verdade: o
status quo é insustentável, e Israel também deve agir com ousadia para
promover uma paz duradoura".
O presidente Barack Obama chegou o mais perto que pôde de um pedido de
desculpas pelo papel dos Estados Unidos nos últimos anos no Oriente
Médio, apoiando ditadores e criando "uma espiral de divisão entre os
Estados Unidos e o mundo árabe" que ele quer ver revertida.
"Depois de décadas de aceitar o mundo como ele é nessa região, temos
uma chance de perseguir o mundo como deveria ser", disse Obama,
admitindo implicitamente que os Estados Unidos agiram até hoje na
região buscando seus próprios interesses, aceitando pragmaticamente o
que supostamente seriam hábitos e costumes locais, que não incluíam a
adoção dos direitos humanos como valores universais.
A partir das transformações que estão surgindo nos países árabes desde
que na Tunísia e no Egito os ditadores pró-ocidentais foram derrubados
por rebeliões populares, valores como liberdade de expressão, justiça,
dignidade humana passaram a fazer parte das reivindicações naquela
região, e os Estados Unidos viram-se na contingência de admitir que
não foram eles que colocaram o povo nas ruas contra as tiranias, e
assumiram um papel de coadjuvantes nas revoltas, embora seu apoio
continue sendo fundamental.
Foi o que reafirmou Obama ontem: "Nós apoiamos um conjunto de direitos
universais. Esses direitos incluem o livre discurso; a liberdade de
reuniões pacíficas; a liberdade de religião; a igualdade para homens e
mulheres sob a égide da lei; e o direito de escolher os próprios
líderes, viva você em Bagdá ou Damasco, Sana (capital do Iêmen) ou
Teerã."
O anúncio de que o FMI e o Banco Mundial financiarão projetos de
desenvolvimento nos países da região - o que já está sendo chamado de
"Plano Marshall para o Oriente Médio" - é um passo importante nesse
apoio ao que ele classificou de "a reforma política e econômica no
Oriente Médio e no Norte da África que possa satisfazer as aspirações
legítimas das pessoas comuns em toda a região".
A questão da implantação da democracia é também delicada, já que é
provável que, se tudo der certo, os sistemas institucionais que
surgirão naqueles países não apenas diferirão entre si como também
podem ser diferentes do que conhecemos como democracia no Ocidente.
O próprio Obama admitiu essa possibilidade em seu discurso: "Nem todos
os países seguirão nossa particular forma de democracia
representativa, e (...) haverá momentos em que nossos interesses de
curto prazo não se alinharão perfeitamente com nossa visão de longo
prazo da região."
São os riscos inerentes de um processo que é novo e ainda não está bem
definido. Mas o presidente Barack Obama está fazendo o que lhe
compete: servindo de indutor das soluções, sem as impor, mas
estimulando o debate com vistas à criação do Estado Palestino sem que
a existência do Estado de Israel seja colocada em questionamento. Por
isso os limites de 67 não deveriam ter sido mencionados, mesmo que o
objetivo fosse esse.