Política
Longe de uma solução Celso Ming
O Estado de S.Paulo
Mais uma cúpula dos chefes de governo da União Europeia foi realizada ontem, em Bruxelas, com predomínio das contradições e dos impasses sobre os acordos.
A reunião havia sido agendada para buscar avanços práticos no entendimento assinado em dezembro, que prevê, em princípio, a coordenação dos orçamentos e a "regra de ouro", cuja meta é impedir um déficit público (despesas superiores às receitas) maior do que 0,5% do PIB - o que exige enorme esforço de ajuste por parte de boa parte de países-membros. A França, por exemplo, tem déficit de 4,5% do PIB; a Espanha, de 4,4%; a Grécia, de 7,0%; e a lanterna da área do euro, a Irlanda, 8,7% (de acordo com projeções da OCDE para 2012). Mas, como das outras vezes, o comunicado divulgado após o encerramento foi vago.
No sábado, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, havia exigido que o governo grego aceitasse a nomeação de um comissário que supervisionasse suas contas públicas. Mas essa imposição foi sumariamente rechaçada pela Grécia.
Esse acompanhamento não é diferente das tais condicionalidades impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para conceder linhas de socorro financeiro a qualquer país quebrado.
Mais uma vez, a questão gira em torno dos limites da soberania dos Estados nacionais. As regras do Tratado de Maastricht (tratado do euro) em 1992 instituíram o compartilhamento da soberania monetária, mas não mexeram na soberania fiscal. E esse bloco, que se caracteriza por possuir uma moeda única administrada pelo Banco Central Europeu sem unidade fiscal (sem Tesouro único), é a principal natureza do pecado original do euro, até agora sem redenção.
Na prática, a soberania da maioria dos Estados-membros do bloco foi corroída pela deterioração de suas condições fiscais. O desrespeito aos limites definidos nos tratados e a enorme dependência das fontes de financiamento tiraram dos governos a capacidade de decidir e de administrar finanças. O que defendem é a intocabilidade de uma soberania que já não exercem.
Além do mais, se o que está nos tratados não é obedecido, é de esperar que, além da ruína das finanças públicas, ocorram abalos de confiança. A chanceler Merkel não está inventando nada. A exigência de um comissário encarregado de acompanhar e auditar finanças de um país é procedimento admitido nas relações financeiras. As agências de classificação de risco tentam fazer o mesmo por meio dos seus radares.
Mas, se a Grécia não aceita nem sequer uma supervisão sobre a execução de suas contas públicas, algo habitual em qualquer acordo com o FMI, como será possível avançar em direção da unificação orçamentária?
Uma foto nunca mostra tudo, mas pode dar boa ideia do todo. A foto social mais trágica da crise é o recuo de mais 30 milhões de europeus para baixo da linha da pobreza. Entre 2007 e 2009, o número de europeus nessas condições saltou de 85 milhões para 115 milhões, ou seja, de 17% para 23% da população, como divulgou ontem o jornal El País. Além disso, há 24 milhões de desempregados apenas na área do euro. Mas isso parece não comove. Os maiorais da União Europeia preferem discutir o que é intocável na soberania deles.
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