Mailson da Nóbrega Ainda o idiota
Política

Mailson da Nóbrega Ainda o idiota



"Enquanto Galeano escrevia suas bobagens,
surgiam estudos sérios para explicar por que
a América Latina perdeu para os EUA e o Canadá
o lugar de região mais rica das Américas"

Nada simboliza melhor o atraso mental de Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, do que o ato de presentear o presidente americano, Barack Obama, com o livro As Veias Abertas da América Latina na recente 5ª Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. Como Chávez, uma multidão de latino-americanos se encantou com a obra do uruguaio Eduardo Galeano, publicada em 1971 e muito reeditada desde então.

Galeano tem uma resposta fácil (e equivocada) para o atraso relativo da América Latina: a exploração de suas riquezas pelos colonizadores espanhóis e portugueses, e depois pelos EUA. Como bem disse Reinaldo Azevedo na edição de VEJA da semana passada, "As Veias Abertas é um livro errado desde as primeiras letras".

Ideias como essa foram demolidas de forma bem-humorada por três intelectuais – o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, o cubano Carlos Alberto Montaner e o peruano Alvaro Vargas Llosa – no livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, de 1996. Roberto Campos prefaciou a edição brasileira. A obra de Galeano ganhou o epíteto de "bíblia do idiota".

Galeano repetiu Lenin na explicação que este deu para o fracasso da previsão de Marx sobre o colapso do capitalismo: somos pobres porque os ricos nos exploram. "Podemos ficar tranquilos: a culpa não é nossa", zombaram aqueles três em A Volta do Idiota, de 2007. As teses de Galeano "são ao mesmo tempo netas de Marx, filhas de Lenin e sobrinhas de Freud, graças a essa providencial transferência de culpa".

Enquanto Galeano escrevia suas bobagens, surgiam estudos sérios para explicar por que a América Latina perdeu para os EUA e o Canadá o lugar de região mais rica das Américas. Em 1880, a renda per capita do Brasil ainda era semelhante à americana. A mudança decorreu basicamente da qualidade das instituições, que era melhor nas ex-colônias inglesas.

A Nova Teoria Institucional, que daria o Prêmio Nobel de Economia a Ronald Coase (1991) e a Douglass North (1993), permite entender a ultrapassagem. Para North, nos EUA e no Canadá, herdeiros das tradições anglo-saxônicas, o respeito aos direitos de propriedade e aos contratos alinhou incentivos para que os empreendedores investissem. Criaram-se as condições para o crescimento acelerado. Na América Latina, a cultura e as instituições ibéricas eram pouco propícias ao desenvolvimento capitalista.

Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff mostraram que as minas de prata na América do Sul espanhola e o clima favorável ao cultivo da cana-de-açúcar no Brasil e nas colônias inglesas e espanholas do Caribe constituíram a base da prosperidade latino-americana entre os séculos XVI e XVIII. A mão de obra era escrava. A riqueza se concentrava nos grandes proprietários. Estão aí as raízes das nossas desigualdades sociais.

A América do Norte recebeu imigrantes artesãos e pequenos agricultores. Formou-se uma ampla classe média. A renda era mais bem distribuída. A religião protestante fomentou a educação ao estimular a leitura da Bíblia sem a intermediação de sacerdotes. A educação primária foi universalizada no século XIX. Em 1800, os EUA possuíam a população mais alfabetizada do mundo.

Segundo Engerman e Sokoloff, "os estudos mais recentes sobre o processo de industrialização nos EUA confirmam a hipótese de que as economias do Novo Mundo onde havia maior igualdade estavam mais bem posicionadas para promover o desenvolvimento". Na América Latina, vicejou o capitalismo de compadres, particularmente no bojo das políticas de substituição de importações. Privilégios, descaso com a educação e leniência com a inflação pioraram a concentração de renda.

Culpar a "espoliação imperialista" pela pobreza latino-americana é mistificação derivada de preguiça mental e cegueira ideológica. Os EUA têm defeitos, mas não o de terem enriquecido nutrindo-se das veias abertas da América Latina. Melhor explicação está nas instituições geradoras da democracia e do capitalismo vigoroso, que ampliaram o bem-estar e catapultaram o país ao posto de maior potência em pouco mais de um século.

Obama poderia oferecer a Chávez os dois livros sobre o idiota latino-americano. Não adiantaria muito, mas seria uma retribuição à altura.




loading...

- As Veias Da América Latina Continuam Abertas"
As veias da América Latina continuam abertas" "O que eu descrevia continua sendo certo. O sistema internacional de poder faz com que a riqueza siga sendo alimentada pela pobreza alheia. Sim, as veias da América Latina ainda seguem abertas", diz...

- Eduardo Galeano (1940-2015)
Celebrado autor de "As Veias Abertas da América Latina" onde relata a exploração da América Latina pelos portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, e posteriormente, pelos norte americanos. São 500 anos de exploração económica desde os "descobrimentos"...

-
Mundialmente celebrizado pelo seu livro “As Veias Abertas da América Latina”, que descreveu como “uma história de piratas”, Eduardo Galeano o grande escritor e jornalista uruguaio, tem uma vasta obra de acusação ao imperialismo, ...

- Felizes, Mas Muito Pobrinhos - Clovis Rossi
FOLHA DE SP - 18/11 América Latina resiste à crise, mas está ainda a anos-luz dos atolados países europeus CÁDIZ - Por mais que os países latino-americanos tenham se apresentado para a 22ª Cúpula Ibero-americana como os melhores alunos da classe,...

- Cúpula Das Américas Luiz Carlos Bresser-pereira
FOLHA DE S. PAULO O conceito geográfico de América é naturalmente verdadeiro, mas, além disso, o que significa a América? QUANDO ESCREVO este artigo, não sei ainda qual foi o resultado da Cúpula das Américas, mas, apesar da esperança que o...



Política








.