Política
Maio68 (III) – a Greve Geral
Ao contrário do que diz Eduardo Lourenço : «
aquilo foi uma coisa espontânea (…) mais importante que uma revolução», se deixarmos de lado a retórica e atendermos simplesmente aos factos, parece-nos hoje evidente que se tratou de um
conjunto de acções pré-determinadas com a finalidade objectiva de destruir a hegemonia que o Partido Comunista (PCF) detinha sobre a esquerda em França à época: mais de 30 por cento das intenções de voto. Como? Com clichés de filhas de ricaços em fotografias de pose estudada, cartazes todos criados pelo mesmo designer numa mesma agência de comunicação, enfim, influência determinante dos “
novos filósofos” activistas, (por mero acaso ambos judeus?)
Daniel Cohn-Bendit e
Bernard-Henry Levy (
que hoje frequenta os salões dos homens mais ricos da côrte Sarkozy) - depois de
lançados os rastilhos para a arena as coisas seguiram o seu caminho normal: como no judo se aproveita a força do adversário para o derrubar, aproveitou-se a própria filosofia politica do
PCF que, como
partido revisionista, procurou controlar a situação “
em defesa da ordem”, isto é, aliando-se na prática aos valores mais caros à direita conservadora.
Quando as manifestações e as greves começaram a incomodar a população com falhas no abastecimento de víveres e combustíveis e a desordem aparente parecia começar a gerar o fim de um modelo capitalista e o inicio de uma nova ordem,
o General De Gaulle desapareceu durante uma semana, reuniu na Alemanha com o
Estado Maior da Nato que lhe prometeu todo o apoio e regressou a Paris –
no dia 28 de Maio tinha uma grande manifestação na rua com cerca de 800 mil pessoas reclamando Ordem, dispostas a acabar com a “
chienlite” – na gíria típica do General qualquer coisa traduzível como
“a malta-que-come-e-caga-na-cama”
“Uns jovens interessantes, embora um tanto ou quanto estouvados, erguendo barricadas e lançando pedras à polícia em nome de ideias generosas mas completamente impraticáveis” - eis como o Maio de 1968 tem sido frequentemente apresentado na avalanche de artigos e conferências que celebram os quarenta anos passados sobre o acontecimento. Muitos comentadores simpatizam com esse movimento na medida em que o consideram
utópico e, portanto, inofensivo.
Simpatizam mais ainda quando só vêem estudantes envolvidos, cujos protestos e desordens não punham directamente em perigo a base económica do sistema. Mas Maio de 68 não foi um movimento utópico,
foi um movimento derrotado - o que é uma coisa completamente diferente. Durante a fase inicial, restrita ao meio estudantil, a questão da exploração dos trabalhadores parecia ser determinante; vejamos uma sinopse dos acontecimentos,
Os estudantes liderados por Cohn-Bendit, ocupam, a 22 de Março de 1968, os serviços administrativos em protesto contra a prisão de activistas anti-guerra do Vietname. Começou assim o “Movimento 22 de Março”, uma das organizações mais expressivas da época, composta fundamentalmente por maoistas e libertários (frequentemente também por “katangueses”, estranhos que se infiltravam em comícios e manifs com o objectivo de as fazer degenerar em cenas de violência), proclamando num panfleto a 4 de Maio: «
Nós batemo-nos […]
porque recusamos tornar-nos: - professores ao serviço da selecção no ensino, selecção feita à custa dos filhos da classe operária, -
sociólogos fabricantes de slogans para as campanhas eleitorais governamentais, -
psicólogos encarregados de fazer “funcionar” as “equipas de trabalhadores” segundo os interesses superiores dos patrões, -
cientistas cujo trabalho de pesquisa será utilizado de acordo com os interesses exclusivos de uma economia de lucro. […] Recusamo-nos a melhorar a universidade burguesa. Queremos transformá-la radicalmente para que de agora em diante ela forme intelectuais que lutem ao lado dos trabalhadores e não contra eles […] Queremos que os interesses da classe operária sejam defendidos também na universidade».
Num panfleto emitido a 6 de Maio, o Movimento do 22 de Março afirmou que «
os estudantes utilizam de agora em diante os métodos de luta dos sectores mais combativos da classe operária». A data evocada neste panfleto, 13 de Maio, marcou uma ampliação decisiva do movimento, porque começou nesse dia a maior greve geral da história da França, que chegou a mobilizar entre 9 e 10 milhões de grevistas.
A greve geralEstava convocada para 13 de Maio uma manifestação que reuniu cerca de um milhão de pessoas, a maior realizada até então em Paris, onde se operou a junção entre estudantes e trabalhadores. À frente ia uma faixa proclamando «
Estudantes, professores, trabalhadores solidários», e o facto mais significativo é que
esta faixa só pôde encabeçar o cortejo depois de várias escaramuças entre os estudantes e os dirigentes da Confederação Geral do Trabalho (
CGT), a maior central sindical,
hegemonizada pelo Partido Comunista, que era francamente
oposto à luta estudantil e a qualquer tentativa de aproximação entre estudantes e trabalhadores.
Durante esta manifestação a CGT tentou enquadrar os trabalhadores e impedi-los de contactarem com os estudantes, mas não o conseguiu e os estudantes inseriram-se no cortejo operário. Estava anunciado o tema das semanas seguintes, porque enquanto durou a greve geral os estudantes tentaram repetidamente ligar-se aos trabalhadores na acção prática e os dirigentes da CGT fizeram tudo o que podiam para impedir essa convergência.
A 16 de Maio cerca de mil estudantes dirigiram-se às grandes fábricas Renault de Billancourt, que se haviam juntado à greve, e a CGT opôs-se ao contacto dos estudantes com os operários com o curioso argumento de que «
recusamos qualquer ingerência externa». A solidariedade era apelidada de «ingerência». No dia seguinte numerosos estudantes regressaram à Renault-Billancourt, e de novo a CGT os impediu de conviver com os grevistas. Esta obstrução não fez desistir os estudantes mais radicais, que continuaram a procurar a ligação com as empresas em luta. A Moção Política Geral aprovada na Assembleia Geral realizada na Sorbonne a 20 de Maio considerou «que
o objectivo político é o derrube do regime pelos trabalhadores e que a ocupação [das Faculdades]
deve ser realizada nesse quadro político; que, com efeito,
o ensino só corresponderá às necessidades da população quando esta tiver realmente derrubado o poder capitalista; que não podendo a remodelação da universidade ser concebida fora deste quadro, ela não deve, por conseguinte, ser prosseguida somente pelas pessoas que aí trabalham hoje, mas pelo conjunto dos trabalhadores» e concluiu recordando que «a tarefa essencial dos estudantes é ligarem-se ao combate da classe operária contra o regime».
Nesta perspectiva, a 31 de Maio um comunicado da Coordenação dos Comités de Acção, um organismo estudantil de base, insistiu: «
A nossa força reside nas ocupações de fábrica». E a 1 de Junho um comunicado da UNEF incitou os estudantes a dirigirem-se às fábricas em greve da Renault e da Citroën. Em 6 de Junho
4000 polícias fortemente armados ocuparam as fábricas Renault em Flins e expulsaram os piquetes de greve. No dia seguinte numerosos estudantes mobilizados pela UJCm-l e pelo Movimento do 22 de Março foram apoiar os piquetes estacionados nas ruas e estradas de acesso às fábricas. A central sindical CGT denunciou então
os bandos «organizados militarmente» que «intervieram» em Flins, referindo-se não aos polícias mas aos estudantes.
Por fim, os movimentos de extrema esquerda seriam ilegalizados em França, e o Partido Comunista perdeu a força eleitoral, degenerando no híbrido "
euro-comunismo", até se converter politicamente num resíduo não reciclável. (continua)
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