São 07:50 da manhã de sexta-feira, 9 de abril de 2010. Diante da página do Word em branco, com a TV e o computador ligados e com os jornais de hoje aqui ao meu lado, informações e lágrimas por todos os lados, não sei o que dizer.
Só tenho perguntas a fazer.
O que leva um sujeito eleito pelo voto popular a se desligar de tal modo da realidade a ponto de se convencer que as favelas encarapitadas no alto dos morros são locais apropriados para moradias?
O que leva esse mesmo cidadão a mentir para si mesmo a ponto de ficar surpreso quando uma tragédia como a de agora acontece?
O que leva um presidente da República, o Lula, em um programa de TV, o Canal Livre de domingo passado, a convidar um jornalista, creio que o senhor Datena, a ir com ele à favela da Rocinha da próxima vez que vierem ao Rio, para ver como a moradia lá é simpática e agradável?
O que leva um governador de Estado a pensar que elevadores, Internet wi-fi, tintas de cores variadas e alegres, artistas plásticos estrangeiros, transformarão lugares de risco absoluto em locais seguros e adequados para seres humanos viverem?
O que leva uma autoridade responsável a se surpreender quando casas construídas em cima de lixões desmoronam e soterram seus moradores?
O que leva a esse absoluto descompasso entre o que é dito nos palanques e o que acontece em nossa vida real? Pior pergunta: o que nos leva a aceitar tudo calados e não virar a mesa?
Os dois Brasis vão poder conviver até quando?
O que aconteceu em Niterói é impensável acontecer em qualquer outro lugar do mundo. Casas construídas em cima de um lixão, cujo desmoronamento, levando tudo de roldão, surpreendeu o prefeito, um político experiente que, pelo tempo que administra aquela cidade, só poderia ser surpreendido por um imprevisto tal como, digamos, um ataque nuclear vindo de algum país amigo...
O que vai acontecer no Rio também é bastante previsível. Favelas em lugares de risco absoluto para quem nelas vive ou por elas é obrigado a passar, viadutos em estado de perigo iminente e cujas obras de contenção vão sempre sendo adiadas e, ao mesmo tempo, obras de maquiagem literalmente para inglês rico ver, são o prenúncio do que pode acontecer numa próxima chuva.
O decreto de remoção de pessoas que vivem em áreas de risco dificilmente será obedecido em ano eleitoral. Digamos que uns 2% das áreas em perigo possa ser esvaziado antes que o poder federal se meta entre o prefeito e seu decreto roubador de votos: para onde iriam essas pessoas? Pensem na gritaria de ONGs de Direitos Humanos a berrar que estão invadindo o direito do cidadão morar onde bem entende! Nas secretarias especiais a dizer que o prefeito assinou esse decreto porque nas favelas moram pobres e pretos, caso contrário não assinaria!
Essa informação simplista, mentirosa e demagógica, irá prevalecer, tão certo como dois e dois são quatro.
O custo da remoção, da construção de moradias decentes e confortáveis, de um transporte público farto e de qualidade, seria bem menor do que as benesses que foram feitas para países vizinhos por este irmão riquíssimo que agora se vê estampado nos jornais do mundo inteiro como um lugar onde pessoas assentaram suas casas em cima de lixões. Mas não irá acontecer. É ano de eleição e véspera do que realmente interessa: preparar o cenário da Copa e das Olimpíadas. Sorte de quem mora dentro desse cenário. O resto... bem, o resto sempre foi o resto.
Não encontro a palavra exata para definir o que penso da minha cidade e do meu país. Só sei que está na hora, mais do que na hora, de parar de cantar o barracão de zinco... Chega de romantismo para justificar o injustificável: a incúria e o descaso do poder público.