A ausência do presidente Lula certamente tirou do Fórum Econômico Mundial uma de suas principais atrações, e não foi por acaso que ele foi escolhido para ser a primeira personalidade a receber o título de Estadista Global. A presença do Brasil nos grandes temas que dominam a cena mundial, seja a crise financeira, a campanha humanitária no Haiti ou a questão do meio ambiente, é cada vez mais sentida
estava preparado para que hoje fosse o dia do Brasil no Fórum Econômico Mundial, embora Lula só passasse três horas em Davos.
Mesmo com sua ausência, está mantido um almoço para debater o futuro do país, no qual falarão o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Se o Brasil ainda não tem, ao contrário do que muitas vezes pretendem fazer crer nossas autoridades, uma palavra decisiva nas grandes discussões internacionais, pelo menos já é relevante o suficiente para ser ouvido.
E Lula hoje, além de sua história pessoal que encanta o mundo, representa um país emergente que deu certo. A tentativa de ser protagonista no plano internacional é consequência de uma política externa que prioriza a imagem internacional do presidente Lula, mais agressiva do que sempre foi historicamente.
Por isso mesmo, pode levar a homenagens como a de Davos, mas também a situações incômodas, como receber com todas as honras o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, num momento em que a comunidade internacional, inclusive China e Rússia, isolava aquele país como forma de pressioná-lo a desistir de um programa nuclear que não se submete à supervisão internacional.
O chanceler Celso Amorim insiste que a aproximação com o Irã atende inclusive a um interesse do presidente Barack Obama, que teria encorajado o Brasil a manter esse contato. Ontem, em Davos, Amorim reuniu-se com o chanceler do Irã para mais uma rodada de negociações sobre o programa nuclear.
No principal painel de ontem sobre o Haiti, por exemplo, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton rasgou elogios à atuação das forças brasileiras no comando da Tropa de Paz da ONU no Haiti.
E, embora tenha deixado claro que os EUA assumiram a coordenação de fato das operações logísticas de ajuda humanitária, a partir do controle do espaço aéreo e do aeroporto de Porto Príncipe, Clinton referiu-se ao governo brasileiro como parceiro prioritário na reconstrução do Haiti.
Ao governo brasileiro resta aproveitar essa posição especial para tentar influir nas decisões, e não querer competir com os Estados Unidos pela liderança da reconstrução.
Foi o que fez o chanceler Celso Amorim, que também participava do painel. Ele aproveitou o momento de solidariedade para lançar um desafio aos países que estão envolvidos na ajuda humanitária: mesmo sem ser possível chegar-se a um acordo sobre o protecionismo no comércio exterior, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, que a exportação de produtos têxteis produzidos no Haiti tenha taxação zerada, como forma de estimular os investimentos naquele país.
Foi uma maneira indireta de levantar um assunto quase morto, como a retomada da Rodada de Doha, que ele discutirá mais uma vez com Pascal Lamy, da OMC.
O Brasil pode sugerir que o tema seja um dos pontos da próxima reunião do G-20, para que os líderes mundiais assumam a condução das negociações, como fizeram com a questão do clima em Copenhague.
Esse, aliás, seria um dos assuntos do discurso de Lula hoje em Davos, ao receber o prêmio de Estadista Global.
Discurso que certamente teria uma repercussão política tão grande quanto o do presidente francês, Nicolas Sarkozy, pois representaria a posição dos países emergentes respaldando posições de líderes dos países desenvolvidos como o próprio Sarkozy e o presidente Obama, a favor de uma nova regulamentação para o sistema financeiro internacional.
O 40 oFórum Econômico Mundial, aliás, está sendo marcado por um sentimento generalizado de que os países emergentes, que têm demonstrado uma capacidade de reação à crise financeira maior do que a dos países desenvolvidos que a geraram, precisam ter mais voz nos organismos internacionais. O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, por exemplo, disse em um dos painéis que o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU tende a cristalizar um desequilíbrio nas relações internacionais, assim como a subrepresentação dos países em desenvolvimento nos organismos financeiros internacionais. A África do Sul, juntamente com o Brasil, reivindica um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Em outro painel, o ex-presidente do México e atual professor da Universidade Yale Ernesto Zedillo disse que os países emergentes como Brasil, China e Índia, apesar de terem se mostrado bastante resilientes na crise internacional, não podem garantir o crescimento econômico sem que os países desenvolvidos se recuperem. Para isso, será preciso, segundo Zedillo, que uma nova regulamentação do sistema financeiro garanta a sua estabilidade, evitando novas crises.
Lula precisava de Davos para reforçar sua imagem de líder internacional, mas Davos precisava mais ainda de Lula para ressaltar sua busca por um capitalismo com face humana.