MERVAL PEREIRA - Fome de poder
Política

MERVAL PEREIRA - Fome de poder


O GLOBO - 24/04/11
A declaração do ex-presidente Lula de que o PT ficará 20 anos no poder nada mais é do que a explicitação do desejo de se candidatar novamente à Presidência em 2014. Para bom entendedor, basta fazer as contas: oito anos de Lula, mais quatro de Dilma e mais oito de Lula fazem 20 anos de governo petista. 
Se, como depois tentou consertar, estivesse se referindo à possibilidade de reeleição de Dilma, a soma daria 16 anos. Por que diabos daria apenas mais quatro anos para o sucessor petista de Dilma, seja ele quem for? 
Se estivesse pensando no fim da reeleição, a conta certa seria 17 anos, pois o mandato do presidente a ser eleito em 2014, se uma eventual reforma política acabar com a reeleição, será provavelmente de cinco anos. 
Ou então 22 anos, na hipótese de Dilma reeleita ser sucedida por outro petista. 
De qualquer maneira, é pouco provável que a reeleição caia em uma reforma política que não encontra consenso dentro do Congresso para temas delicados que afetem os interesses futuros dos políticos. 
Mesmo tirando esse ato falho do ex-presidente, a declaração de que o PT tem planos de se eternizar no poder não deve ter agradado a seus aliados, especialmente PMDB e PSB, que disputam com o PT a divisão do poder governista. 
Lula terá em 2014 os mesmos 69 anos com que Serra disputou pela segunda vez a Presidência da República. E estará com 73 anos se se candidatar em 2018, quase a mesma idade com que Tancredo Neves foi eleito em 1985. 
O sonho de consumo petista implicará relegar a um segundo plano políticos de diversas tendências que, tendo uma perspectiva nacional, seriam condenados a viver à sombra do PT toda a sua carreira. 
Um deles é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, que tem hoje 45 anos e veria sua carreira política congelada por mais 12 se o PT insistir em permanecer no poder. 
Em 2014, ele garante que o PSB estará na base de sustentação da presidente Dilma, ajudando- a a disputar a reeleição. 
Já conversou com Lula a respeito e acha que é bom para o país e para o ex- presidente Lula que Dilma dispute a reeleição. 
Nas entrelinhas, está dando seu recado: apoiar a reeleição de Dilma pode ser, mas continuar subordinado ao PT até perto dos 60 anos não está em seus planos de médio prazo. 
A força política exagerada do governo, cooptando parte da oposição para o futuro partido do prefeito Gilberto Kassab e transformando a bancada oposicionista no Congresso na menor representação numérica de tempos recentes, pode fazer com que forças partidárias hoje na base aliada comecem a se mexer em busca de um futuro sem o PT. 
Campos é de uma geração de políticos que dá mais valor à boa gestão pública do que à política partidária amesquinhada que nivela por baixo as relações partidárias atuais. 
Ele considera que a ascensão social de milhões de brasileiros nos últimos anos obrigará os políticos a mudar de comportamento para corresponder às necessidades mais complexas dessa nova classe média. 
A fusão com o partido de Kassab, que chegou a ser o objetivo principal da criação desse novo partido pelo prefeito de São Paulo, tinha o fito de colocar uma alternativa à polarização entre PSDB e PT em São Paulo, que acaba se refletindo na política nacional. 
O projeto específico de São Paulo seria a solução que o partido está procurando desde que tentou algumas opções como a ex-prefeita Luiza Erundina ou mesmo Ciro Gomes. 
É possível, porém, que, mesmo sem a fusão, inviabilizada pelo receio de uma punição pela legislação eleitoral, mas, sobretudo, pela composição heterogênea do futuro PSD, a candidatura de Gilberto Kassab ao governo de São Paulo venha a ter o apoio do PSB, no que seria uma primeira divisão séria entre o partido e o PT. 
Da mesma maneira, o anúncio feito pelo vice-presidente Michel Temer de que o deputado federal Gabriel Chalita, atualmente no PSB, deverá ser o candidato à prefeitura de São Paulo também é uma busca de alternativa do PMDB para quebrar essa polarização. 
Para Eduardo Campos, a tradição do PSB sempre foi a de participar de frentes políticas, mas ter seu "eixo estratégico de pensamento". 
Nesse trabalho de montagem de parcerias políticas que deem musculatura ao partido, não seria surpreendente se o estatuto do partido sofresse uma atualização nos próximos anos. 
O estatuto, de 1947, já não reflete a realidade de um mundo que mudou, admite o governador de Pernambuco, para quem o "falso radicalismo" impede avanços, e hoje as alianças acabarão sendo feitas por dentro dos partidos, porque as coligações proporcionais tendem a acabar. 
O PSB cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores. 
Mas foi nos governos estaduais que aumentou mais seu cacife. Depois do PSDB, foi o partido que mais elegeu governadores, seis ao todo, sendo quatro no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado. 
Com o PSDB vivendo uma crise política em São Paulo, seu principal reduto eleitoral, e não se entendendo em termos nacionais, PMDB e PSB passam a ser alternativas partidárias à hegemonia petista, mesmo porque, em relação ao futuro, as contradições do PSB com o velho PT previsivelmente chegarão a um ponto insuperável, pois, na visão de Eduardo Campos, o PT não está se renovando, não tem um governo-símbolo de um padrão inovador.



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