Política
Merval Pereira - Uma disputa estratégica
DENVER, Colorado. Foi um discurso com a dose certa de emoção e razão, de quem não está na corrida presidencial por acaso, mas para ganhar. O candidato democrata Barack Obama confirmou na noite de quinta-feira, diante de mais de 80 mil pessoas num estádio de futebol americano, que é um adversário difícil de ser desconstruído, que não teme o confronto.
Só estando lá para sentir a eletricidade do ambiente, a alegria dos militantes, a ansiedade da vitória que dominava a todos e, ao mesmo tempo, o temor de que o sonho afinal não se realize.
O fato de ter chamado para o centro da disputa eleitoral seu adversário, o republicano John McCain, a quem citou nada menos que 22 vezes em cerca de uma hora, mostra que, a partir das convenções, a disputa ganhará tons cada vez mais pessoais, embora Obama tenha dito, em um dos muitos bons momentos de seu discurso, que a campanha não era sobre ele, mas sobre o povo americano.
Ao contrário, a disputa é toda em torno dele, o primeiro negro a ser lançado candidato à Presidência dos Estados Unidos por um dos grandes partidos, e isso pode ser bom para ele, mas pode também ser um complicador.
Ele tem que se mostrar renovador, mas não tão distante do mundo real que se torne um aventureiro; tem que defender novas maneiras de fazer política sem parecer ingênuo; e mostrar uma visão diferente da que prevalece em Washington sem se revelar inexperiente.
Ele vai ter que viabilizar uma mudança que vêm “de fora” (“a change to Washington”), e não de Washington, mas, para isso, paradoxalmente, terá que ter a ajuda do establishment político.
Tendo rejeitado Hillary Clinton como vice, teve que buscar em Washington o senador Joe Biden.
Em uma disputa tão apertada como costumam ser as eleições presidenciais americanas, os dois candidatos mostram-se mestres em estratégia política. Sendo a energia um dos pontos centrais da preocupação do americano médio, os dois trataram a questão com prioridade máxima.
Obama usou palavras de pura inspiração misturadas com questões concretas do dia-a-dia do cidadão, como seu plano de tornar os Estados Unidos independente dos países árabes em relação ao petróleo em dez anos, e conseguiu provocar uma das grandes ovações da noite, explicitando o que vai na alma do eleitorado em geral: o preço da gasolina e do aquecimento está mexendo com a cabeça e o bolso do americano, que atribui aos árabes mais essa desdita.
McCain foi buscar no Alaska sua candidata a vice, a governadora Sarah Pallin, mulher, mais jovem que Obama, uma política independente dentro do Partido Republicano tanto quanto McCain e, sobretudo, favorável à ampliação da exploração de petróleo, inclusive no seu estado, onde a exploração é limitada por questões ambientais.
Aumentar a perfuração de petróleo é percebido, neste momento, pela população como uma solução para a questão do preço da gasolina, embora seja tão inócua quanto é improvável a concretização da promessa de Obama de o país estar auto-suficiente em energia em dez anos.
Mas não foi por acaso que a governadora Sarah Pallin, em seu primeiro pronunciamento, citou diretamente a senadora Hillary Clinton, exaltando seu feito como tendo sido um passo importante na política feminista, e se colocou como uma sucessora de Hillary Clinton, disposta a superar uma barreira que nem mesmo os 18 milhões de votos que a senadora democrata conseguiu nas primárias de seu partido foram suficientes para suplantar.
Ela está de olho em parte desses votos, os que teriam sido dados por Hillary ser uma política comprometida com o avanço da causa feminista.
Pallin não é uma líder feminista, mas está defendendo a tese de que eleger uma mulher é um avanço. O mais próximo que Pallin chegou em defesa de uma causa feminista, pelo menos publicamente, foi pressionar para demitir um ex-genro que batia em sua irmã, o que causou um pequeno escândalo político no Alaska.
A escolha da governadora do Alaska tem também desvantagens para a candidatura McCain, sendo a mais previsível a redução da eficácia da desconstrução de Obama na base da inexperiência política.
Ora, a governadora Pallin está no seu primeiro mandato, e a única experiência anterior foi ser prefeita de uma pequena cidade. Para um candidato que fez 72 anos ontem e tem um histórico de doenças de pele — já teve um melanoma —, a escolha do vice é fundamental.
Pallin é jovem, o que é uma garantia, mas tão inexperiente quanto Obama, o que pode ser perigoso caso ela tenha que assumir o governo em uma emergência.
A governadora é tão independente politicamente que mesmo sendo defensora da exploração de petróleo na costa de seu estado, ela tem litígios com várias companhias petrolíferas, tanto por ter criado impostos que impuseram novos gastos quanto por pressioná-las para aumentar a prospecção.
É uma conservadora que acredita na mão pesada do Estado, da mesma maneira que, durante a convenção democrata, o lado mais liberal do partido apareceu diversas vezes, várias delas no discurso do próprio Obama, que já foi considerado o senador mais de esquerda de Washington.
A senadora Hillary Clinton já havia dito em seu discurso que “obrigaria” as empresas de energia a implantarem projetos “para o bem comum”, seja lá o que isso signifique.
Barack Obama foi mais específico, disse que não permitiria que as companhias de seguro-saúde discriminas sem pessoas com doenças graves, e garantiu que todos os cidadãos americanos terão acesso a planos de saúde a preços módicos.
Com a escolha de Pallin, a chapa dos republicanos deu uma guinada à direita, ao mesmo tempo em que o discurso dos democratas foi mais para a esquerda a partir da convenção.
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