Política
Merval Pereira Crise de confiança
NOVA YORK. O mais importante no momento seria manter a taxa de investimento, cujo crescimento até o terceiro trimestre deste ano foi basicamente resultado da confiança até então existente no meio empresarial. Não era apenas a construção civil, mas todos os setores da economia cresciam, fazendo com que o PIB aumentasse a uma taxa de 6% ao ano. Em 2007, o investimento foi de 17,7% do PIB, e a poupança doméstica, de 17,5%.
Já nos últimos quatro trimestres encerrados no terceiro trimestre, o investimento aumentou para 19,3% do PIB, mas a contribuição do aumento da poupança doméstica foi nula, porque ela até caiu um pouco, para 17,4% do PIB.
O que estava ocorrendo diz o economista Fabio Giambiagi, era basicamente um boom de investimentos financiado pelo crescente desajuste externo. “Se a poupança externa não aumentar, continuamos sem resolver como será possível aumentar a taxa de investimento no futuro”.
A ampliação do “PIB potencial” está relacionada com o aumento da taxa de investimento, que vinha subindo cerca de 8% ao ano nos últimos anos. Comparado com a China, que investe cerca de 40% do PIB, ou a nós mesmos em anos anteriores, estamos ainda em patamares muito baixos para buscar um crescimento sustentável nesse nível, sem ter efeitos colaterais negativos, como inflação.
Na época do “milagre brasileiro”, nos anos 70, em que crescíamos a taxas asiáticas, o investimento no país chegou próximo a 30% do PIB, taxa que hoje é investida pela Índia, que crescia a uma média de 6% ao ano nos últimos 15 anos antes da crise. Para crescer de maneira sustentada, o mínimo necessário seria um investimento público e privado da ordem de 25% do PIB.
Historicamente, nosso PIB está mais próximo de 5%, taxa média de crescimento brasileiro dos últimos 50 anos. Mas a história recente reduziu essa expectativa para 2% de 1980 a 2003. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos últimos anos, chegando a 4,5% nos anos de Lula.
O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1959, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; e, de 1970 a 1979, de 8,78%. O maior crescimento do PIB foi de 13,97% em 1973, no auge do “milagre econômico”, mas taxas de dois dígitos são exceções, só aconteceram em seis anos.
Para o economista José Roberto Afonso, o governo federal vai precisar de mais ousadia e criatividade para estimular a outra ponta do crescimento, a demanda, que já foi contaminada e caiu. “Quando as demissões começam, os que ficam empregados se assustam, e muitos podem simplesmente preferir usar o aumento de renda, decorrente da menor tributação, para aumentar a poupança. E se eles não comprarem, de nada adiantou o benefício fiscal”.
O financiamento a empresas brasileiras poderá ajudar também as empresas exportadoras, inclusive as tradings agrícolas, que estavam sem crédito no exterior.
José Roberto Afonso dá o exemplo da situação dos exportadores, que considera “gravíssima”: estão carregando muitos impostos, do ICMS ao Cofins, que não conseguem recuperar.
O governo, segundo o economista, “deveria assumir e quitar tais dívidas tributárias com os exportadores, como forma de incentivar as exportações, especialmente de industriais”.
A questão da falta de confiança também se reflete na venda de carros. Os bancos das montadoras enfrentaram problemas de “funding” no primeiro momento da crise. Mesmo os financiamentos tendo voltado, principalmente no Sul/Sudeste, ficaram mais caros, e há um claro movimento de cautela dos compradores, com receio do desemprego.
Por isso o governo retirou o IPI dos carros, para ver se estimula novas vendas.
O presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, deu uma indicação dos problemas do setor siderúrgico ao admitir, à saída da reunião com o presidente Lula, que poderá haver demissões no setor.
O mês de outubro foi normal para o setor siderúrgico, mesmo depois da explosão da crise. Em novembro houve uma redução, e pesquisas indicam uma expectativa de queda grande no mês de dezembro.
Quase todos os altosfornos estão parados para revisão técnica, e na volta, se nada mudar, pode haver demissões em massa.
José Roberto Afonso ressalta desde o início da crise que o problema no Brasil estava mais no setor real — o empresário parou de investir e, também, de produzir antes mesmo que os seus compradores sumissem das lojas.
Falta de crédito e de confiança no governo seriam as razões que levaram o empresário a parar ou a reduzir a produção.
Desse ponto de vista, o presidente Lula está fazendo o trabalho político correto de tentar incutir confiança, mas, para que o empresariado se anime a manter o nível de investimento que possibilitou um crescimento acima da média dos últimos anos, o governo teria que tomar medidas técnicas mais amplas e profundas, além de sinalizar com o exemplo de corte de gastos.
Pedir ao empresariado que não demita, mas não oferecer decisões como uma reforma real no sistema de tributação, em vez de medidas pontuais que não sinalizam uma mudança estrutural na economia, não fará com que os empresários se sintam encorajados a manter os investimentos.
Por outro lado, com seu carisma e a alta popularidade, o presidente Lula tenta convencer a população a manter seus hábitos de consumo, índice que estava crescendo a 8% ao ano.
Mas, sem garantias de que o nível de investimento será mantido, um crescimento só à base do consumo tende a provocar inflação.
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