Merval Pereira A crise e o emprego
Política

Merval Pereira A crise e o emprego


NOVA YORK. Um dos pontos mais sensíveis do acordo de mais de US$ 17 bilhões anunciado ontem pelo presidente Bush para socorrer as montadoras de automóveis Chrysler e GM é a exigência de que os níveis salariais dos funcionários sejam compatibilizados com o mercado de trabalho, uma maneira sutil de avisar que os sindicatos vão ter que aceitar uma redução salarial que rejeitaram uma semana atrás. Os congressistas, especialmente os republicanos, já haviam tentado que os sindicatos da indústria automobilística de Detroit aceitassem reduzir as vantagens salariais que os operários das montadoras americanas têm, para tornar as fábricas competitivas com as japonesas e as européias, mas essa exigência fora recusada, o que impediu que o acordo fosse fechado no Congresso.

Atribui-se aos senadores sulistas essa exigência, que inviabilizou a ajuda a Detroit, pois as fábricas de automóveis japonesas e coreanas estão no Sul dos EUA, livres da pressão dos sindicatos do Norte.
Em Detroit, centro da indústria norte-americana de automóveis, os trabalhadores acumulam acordos que lhes garantem benefícios acima da média nacional, como assistência médico-hospitalar vitalícia e previdência privada. Benefícios que, segundo estudos, acrescentam um custo médio de US$ 2 mil dólares ao preço final dos veículos produzidos pelas três grandes montadoras, tirando-lhes competitividade no mercado.
São cerca de dois milhões de trabalhadores e dependentes atendidos por alguma espécie de seguro-saúde pago pela indústria, e cerca de um milhão de pensionistas, contra 300 mil operários em atividade, o que inviabiliza economicamente a operação dessas montadoras.
O acordo anunciado ontem certamente foi negociado com as direções da Chrysler e da GM, e os sindicatos agora terão que fazer parte da reestruturação das companhias para que a falência não tenha que ser pedida dentro de três meses, prazo final para a apresentação de um plano de longo prazo que viabilize a operação.
Como os executivos também terão que abrir mão de seus altos salários e bônus por performance, é provável que tenha chegado a hora de a realidade impor seus limites ao sindicalismo de resultados.
O acordo foi feito baseado nos termos em que a maioria democrata havia concebido, antes de ser inviabilizado pela minoria republicana no Congresso. A segunda parte do empréstimo poderá ser liberada já na administração de Barack Obama, em março do próximo ano.
Ou então ser substituída pela decisão de exigir o reembolso da primeira parte do empréstimo e obrigar GM e Chrysler a pedir falência, se não se mostrarem em condições de planejar seu futuro de maneira economicamente viável.
A cadeia de empregos da indústria automobilística é muito longa, e pode atingir cerca de um milhão de operários em diversas indústrias.
É esse alcance que faz com que nem o governo Bush queira sair com uma crise desse tamanho, nem o presidente eleito deseje assumir o governo em meio a uma situação de desemprego tão grave num setor simbólico da economia americana.
Da mesma maneira, pressionados pela crise econômica internacional, no Brasil já se começa a discutir possíveis flexibilizações na legislação trabalhista, um antigo projeto de vários governos, inclusive o de Lula.
Os sindicalistas da Vale estão aceitando flexibilizar alguns direitos trabalhistas para garantir os empregos.
A proposta do presidente da empresa, Roger Agnelli, de o governo patrocinar uma reforma das leis trabalhistas nem que fosse temporária, embora rejeitada pelo presidente Lula, está se impondo devido às dificuldades cada vez maiores na economia.
Embora o presidente Lula se irrite com as demissões e faça afirmações populistas como a de que nenhum empresário tem razão para demitir — apesar de todas as indicações serem de que o terceiro trimestre do ano será de recessão —, o gerente da pesquisa mensal de emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Cimar Azeredo, admitiu que já existe uma tendência de aumento nos números do desemprego de novembro em relação a outubro, que estão aparentemente estáveis.
Setores de atividade que sentem imediatamente os efeitos da mudança na conjuntura econômica, como restaurantes e hotéis, tiveram queda de 0,8%, e serviços domésticos de 1,5%.
O presidente Lula poderia perfeitamente aproveitar o momento propício a negociações, já que a realidade da crise está se impondo inexoravelmente, para recuperar o projeto de reforma das leis trabalhistas, que já foi uma de suas prioridades no primeiro mandato.
O líder sindicalista Lula classificava a CLT, que agora considera intocável, de “AI-5 dos trabalhadores”. A CLT e a permissão para haver apenas um sindicato por categoria em cada município, persistem, e o sindicato continua atrelado ao Estado.
O PT e a CUT, do deputado Vicentinho, se aliaram à Força Sindical, do deputado Paulinho, do mesmo PDT do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e aceleraram a votação do projeto que, a título de um “reconhecimento histórico” das centrais, tem como motivação a captação anual de recursos originários do imposto sindical compulsório.
Um retrocesso institucional que consolidou uma “república sindicalista”, com espaço ampliado de atuação e finanças revitalizadas.
Em vez de usar sua liderança no meio sindical para aprovar uma nova legislação trabalhista que fosse benéfica para a criação de empregos no país, Lula decidiu fazer uma política de reforço do sindicalismo e conseguiu unir todas as centrais sindicais em torno do governo.



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