Míriam Leitão - A crise e o Brasil
Política

Míriam Leitão - A crise e o Brasil




Panorama Econômico
O Globo
17/9/2008

A Previ já perdeu R$15 bilhões com a queda da bolsa, mas continua com superávit. Todos os fundos perderam parte do que ganharam nos anos anteriores. Os bancos já apertaram o crédito para as empresas. Os juros vão reduzir o crescimento do ano que vem. A queda das commodities reduz renda no país. Há vários canais pelos quais uma crise pode chegar ao Brasil, mesmo a economia estando bem.

Quando o dia termina melhor do que começa, como ontem, aí mesmo é que é preciso lembrar que não existe país blindado contra crise global. O economista Ilan Goldfajn acha que o Brasil precisa evitar cometer um velho erro: o da síndrome da "ilha de tranqüilidade", de país blindado contra a crise. Foi esse o erro que o Brasil cometeu no fim dos anos 70. Diante da segunda crise do petróleo, as alternativas eram: reduzir o crescimento, e ajustar a economia à nova realidade de baixa liquidez e pressão inflacionária, ou acelerar o crescimento. O país escolheu a segunda e colheu uma recessão no começo dos anos 80.

- Não dá para fingir que não tem crise. O país não pode cometer excessos como o crescimento do crédito a 30% e aumentos altos de gastos com funcionalismo - disse Ilan.

Efeitos da crise chegarão, mais cedo, mais tarde. Depende de como as autoridades lidam com essa necessidade de adaptação à nova realidade.

Há efeitos temporários e que já chegaram, como a queda da bolsa. Os ativos vão se recuperar algum dia, mas, independentemente da alta de ontem, desde maio a tendência é de queda. Os fundos de pensão privados e públicos foram afetados porque têm uma grande parte dos seus ativos em renda variável. O secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, garante que eles continuam com superávit.

- São 370 fundos ao todo, que têm em média um terço dos seus ativos em bolsa, mas os grandes fundos, Previ, Petros e Funcef, têm uma exposição maior. Uma grande parte da carteira, as ações estão registradas pelo valor econômico e não pelo valor de mercado. Isso significa que os ativos não oscilam com a bolsa. Eles têm sido monitorados. O sistema tinha um superávit de R$76 bilhões no fim do ano passado - disse Pena.

A partir de maio, a bolsa começou a cair e o superávit encolheu. O presidente da Previ, Sérgio Rosa, disse que o fundo teve uma perda de R$15 bilhões com a queda da bolsa nos últimos meses, mas segue com superávit. A Previ tem quase tudo marcado a mercado, exceto as ações das empresas das quais participa do controle, como a Vale, que estão registradas pelo valor econômico.

- Fomos muito conservadores no cálculo do valor econômico e só agora é que o valor de mercado está se aproximando do que está registrado - disse Rosa.

Pena lembra a natureza do negócio dos fundos de pensão.

- Eles têm passivo para ser pago nos próximos anos e décadas. Portanto, não é a oscilação de hoje que vai ameaçar o fundo.

Ilan disse que essas perdas dos fundos são, na verdade, redução do ganho.

- Os fundos estão voltando à situação que tinham em janeiro de 2007.

Além das bolsas do mundo, que estão todas ligadas pelo efeito da administração do portfólio de grandes investidores, outro canal pelo qual a crise pode chegar a um país é através da exposição dos bancos aos ativos de risco americanos. Isso é o que aconteceu na Europa e na Ásia. Já o Brasil não tem sinal de que os bancos carreguem os derivativos do mercado imobiliário americano. Ilan acha que essa proteção o Brasil tem até pelos seus defeitos.

- O Brasil ainda é muito fechado. O investidor médio não tem hábito de remeter recursos para o exterior porque sempre acha que todas as formas de remessa são ilegais. O Brasil tinha um pequeno mercado imobiliário, por isso não teve uma bolha.

As regras brasileiras para o mercado segurador impedem que as reservas técnicas das seguradoras possam ter títulos estrangeiros. Essa é a resposta dada pelo Unibanco para provar que não há problemas na carteira do Unibanco AIG, apesar da crise do AIG nos Estados Unidos. Além disso, a seguradora é controlada e administrada pelo Unibanco.

Os juros excessivamente altos no Brasil - comparados aos do resto do mundo - foram também um desincentivo à procura por papéis de alto risco e de maior rentabilidade. Essa é uma das razões pelas quais o mercado brasileiro não está exposto ao risco do mercado imobiliário americano.

O Brasil, protegido pelas suas virtudes e pelos seus defeitos, tem estado longe do centro da turbulência. Mas os efeitos na economia real chegam de forma indireta.

- Com a queda das commodities, o Brasil vai ficar menos rico; é perda nos termos de troca. A queda da soja afeta diretamente, mas não somos tão dependentes das commodities como a Nova Zelândia e a Austrália, que já estão em recessão - disse Ilan Goldfajn.

Há vários pontos da conjuntura brasileira que podem ser afetados direta ou indiretamente pelas oscilações dos mercados, pela estagnação americana, pela queda do crescimento mundial. Não é prudente repetir o velho erro do governo militar, que se ufanava de o Brasil ser uma ilha de tranqüilidade e não se preparou para a crise que nos engoliu uma década.




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