O governo está numa armadilha em relação ao preço da gasolina, por
culpa única e exclusiva dele mesmo. O pior é que a conta do erro será
socializada. O contribuinte vai pagar o subsídio à gasolina; o que
significa mais ou menos dizer que aquela pessoa que está no ônibus,
apertada e sem conforto, pagará para aquela outra que está sozinha no
seu automóvel usá-lo mais.
A comparação acima é de David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da
Agência Nacional do Petróleo. A cena descrita define bem o que pode
acontecer se o governo decidir reduzir a Cide, Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico, ou seja, imposto dos combustíveis,
só para a gasolina não subir. A Cide tributa os combustíveis e o
dinheiro teria de financiar investimentos em melhoria da
infraestrutura de transportes.
Uma das fórmulas que o governo está estudando para aumentar o que a
Petrobras recebe pela gasolina é reduzir o imposto. A empresa aumenta
o preço cobrado das distribuidoras, e o impacto é neutralizado pela
queda da Cide; por isso, a distribuidora não tem de passar a alta para
o preço na bomba. Parece uma mágica perfeita. Todo mundo ganha. A
empresa recebe mais; o consumidor não pagaria mais.
Não existe mágica na economia. Alguém sempre paga a conta. Como o
preço pago pelas distribuidoras pela gasolina não sobe há muito tempo
- e o petróleo subiu, veja o gráfico - quem está subsidiando o preço é
o acionista da Petrobras. O preço do combustível é resultado da
cotação da matéria-prima e do valor dólar, que tem caído,
neutralizando em parte a alta do petróleo. Mas outros derivados como
nafta, querosene de aviação e óleo combustível têm sido reajustados.
Se o governo optar por reduzir o imposto para não subir o produto na
bomba, quem pagará o preço será o contribuinte. Em 2008, quando este
mesmo truque foi usado, o governo deixou de arrecadar R$3 bilhões.
Isso significa que a sociedade entregou aos donos de carros R$3
bilhões para incentivar o consumo de um combustível que, além de tudo,
é fóssil. Esse não é um assunto fácil de tratar, porque em geral,
provoca reações raivosas como se fosse a defesa do aumento do
combustível. Mas é um tema incontornável. Não faz sentido econômico,
social e ambiental incentivar o consumo de um combustível fóssil,
tirando dinheiro de um imposto cuja destinação é investimento em
infraestrutura em um país cheio de gargalos. No mundo, o que se
discute é como taxar ainda mais o petróleo e seus derivados.
Esse subsídio cria distorções econômicas. Quanto mais se incentiva a
gasolina, mais fica antieconômico usar o álcool nos carros flex.
Quanto mais o consumidor prefere a gasolina nos carros flex, mais o
país tem de importar gasolina e maior é o consumo de álcool anidro.
Neste ambiente de forte demanda acontece o absurdo contado ontem, aqui
neste jornal, pela repórter Ramona Ordoñez: em plena safra, os
usineiros estão subindo o preço do álcool anidro para as
distribuidoras.
A explicação da Unica, entidade que reúne produtores, para o fato é a
seguinte: ontem, 125 unidades das 335 já estavam processando a
cana-de-açúcar. Isso se soma à importação de 138 milhões de litros de
etanol. Mesmo assim, o aumento da oferta não tem sido suficiente para
regularizar o mercado, segundo Marcos Jank, da entidade.
- A elevada demanda de gasolina nas bombas provocou uma procura
adicional de álcool anidro, que produziu o ajuste de preços dos
últimos dias. A tendência é que a partir da semana que vem mais
unidades entrem em operação e a queda de preços vá acontecendo e se
acentuando no mês de maio.
Já a Petrobras culpa não a demanda por gasolina, mas o preço do álcool
por uma possível escassez do produto nos postos. Mesmo que tenha
havido aumento de demanda, é difícil entender que na safra o preço
aumente, em vez de cair. Ainda mais pelo fato de ter havido importação
de etanol.
O quadro do combustível é um dos vários que os diretores do BC terão
de analisar para tomar a decisão de hoje sobre a taxa de juros. Se a
Petrobras reajustar o preço da gasolina para a distribuidora, o
produto que já está subindo por causa do álcool subirá ainda mais na
bomba, elevando a inflação. Só não subirá se o governo usar dinheiro
de impostos para subsidiar o consumo da gasolina. Outra complicação da
análise de conjuntura são os sinais contraditórios dados pelo governo:
o presidente da Petrobras informa que a gasolina vai subir e o
ministro da Fazenda garante que não vai.