Míriam Leitão Ambição tardia
Política

Míriam Leitão Ambição tardia



Ele é negro, cego e foi ridicularizado no Saturday Night Live, um programa humorístico. Mas foi para ele que a filha mais famosa da mais nobre dinastia política americana ligou fazendo um pedido. Caroline, filha de Jacqueline e John Kennedy, neta de Rose, sobrinha de Bob, pediu a ele a cadeira no Senado que será deixada por Hillary Clinton. O telefonema foi objetivo e ele não a desencorajou.

Ele é o governador de Nova Iorque, David A. Paterson, que assumiu o cargo em março, depois que o então governador, Eliot Spitzer, renunciou após um escândalo. Paterson terá, pela lei americana, o solitário poder de escolher quem vai representar Nova Iorque no Senado, quando a senadora Hillary renunciar para assumir o Departamento de Estado.

Numa demonstração de que vai usar esse poder de forma bem diferente do que o governador de Illinois, Paterson lamenta que outros concorrentes não sejam tão explícitos em manifestar suas ambições quanto Caroline. Quer fazer tudo às claras.

Ela tem dado telefonemas, para políticos e líderes do estado, em que diz que quer ser senadora e que acha que está preparada para isso. A notícia é um espanto, para qualquer um que tenha acompanhado a história de Caroline. Ela foi uma menina retraída e tímida, quase triste. Virou uma adulta devotada ao esforço de fugir de qualquer exposição pública. Nunca demonstrou gostar da política que ferve nas veias da família Kennedy, nunca quis ser a celebridade da moda que sua mãe foi. O que foi que aconteceu com Caroline?

Quando apareceu num evento apoiando o então candidato Barack Obama, parecia ser a mesma tímida Caroline, fazendo um esforço para falar em público. Disse que Obama despertara nela o mesmo tipo de sonho que tinha crescido ouvindo todos dizerem que seu pai despertava: o sonho de mudança. Depois daquele dia, ela entrou de cabeça na campanha e gostou dessa luta pelo voto, desse contato direto com os eleitores. Das duas crianças que naquele começo dos anos 60 brincavam na Casa Branca, todo mundo achava que o herdeiro político seria o menino. John Kennedy Jr. pensava em disputar essa mesma cadeira. Não teve tempo. Morreu em 99, na queda de um avião.

O clã viu em Caroline várias chances. Ela ocuparia a mesma cadeira que um dia foi de Bob Kennedy, a de senador por Nova Iorque. Ted Kennedy está lutando contra um câncer terminal. Sua morte deixaria, pela primeira vez em mais de 50 anos, o Senado sem um Kennedy. Se ela ganhar, será a primeira mulher a ser a líder política na família. Seus maiores incentivadores são o primo Robert Kennedy Jr. e o tio Ted, com quem ela fala diariamente.

Pela lei de Nova Iorque, em 2010 ela terá que concorrer pelo direito de cumprir os dois anos finais do mandato que receberá, agora, pelo voto solitário do governador. Se ganhar, dois anos depois terá que concorrer, novamente, por um novo mandato. Caroline terá sido, enfim, capturada pela veia política da família irlandesa, que sempre foi incentivada pela lendária matriarca Rose, mãe que perdeu dois filhos, mas nunca a fé de que a política é o destino da família?

As críticas já começaram. A mais óbvia é a de que Caroline nunca foi disso. Ela sempre teve intenso trabalho social e é presidente da John Kennedy Library Foundation. Ela não tem um trabalho regular, desses de dia inteiro, mas trabalha intensamente em várias frentes. É do conselho de várias universidades, foi presidente da organização que trabalha com escolas públicas de Nova Iorque, para a qual conseguiu levantar um volume considerável de dinheiro, na campanha de Obama fez parte do pequeno grupo que ajudou a escolher o vice-presidente. Mesmo assim, a dúvida é levantada em comentários, blogs, jornais: estará preparada e terá estômago para a política? Ela diz que sim, abertamente, e está em campanha com aquela convicção que os Kennedy sabem demonstrar.

Um dos seus incentivadores é Barack Obama, de quem se tornou amiga ao longo da campanha. Ela foi um dos primeiros apoios que ele recebeu, quando se achava que toda a máquina do partido estava com Hillary. Aliás, essa é a grande dúvida: o que pensa de tudo isso a pessoa que ganhou essa cadeira no Senado brigando pelo voto na rua: Hillary Clinton. Os dois lados não confirmam, nem desmentem, que as duas tenham conversado. Hillary diz que prefere não se envolver nessa escolha, mas ela nunca foi de ficar de braços cruzados em qualquer disputa.

Rose Fitzgerald Kennedy, a avó de Caroline, gostaria de ver esse tardio despertar da ambição política. Rose morreu aos 104 anos, em 1995, e sempre foi a grande inspiração da carreira dos Kennedy. Católica, filha de um senador, fluente em várias línguas, Rose está na História americana sem ter exercido um cargo. Teve nove filhos. O primeiro, Joseph, morreu na 2ª Guerra. John, o presidente, e Bob, senador, foram assassinados. Uma de suas famosas frases talvez tenha ecoado na mente da neta durante a campanha por Obama. “Se você está na política, deve sempre trabalhar para chegar ao topo.” Agora, o topo é a cadeira no Senado. Que os outros candidatos se apressem, porque o governador ainda não fez sua escolha. O jogo está sendo jogado, e a família Kennedy pôs na mesa seu cacife.




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