Política
Míriam Leitão Contas amarelas
O GLOBO
Pergunte ao governo sobre o déficit primário de maio ou a queda da arrecadação e ele dirá que em crises o Estado gasta mais e a arrecadação cai. É verdade. Mas a calma com que o governo analisa a deterioração das contas públicas é um dos maiores riscos que o país enfrenta na atual crise. Até agora, ele arrecadou R$63 bilhões a menos do que previa e tem aumentado o gasto errado.
É normal em períodos de recessão a arrecadação cair pelo óbvio motivo de que a atividade econômica é menor e há menos fator gerador. É também livro-texto o governo ampliar os gastos para tentar reverter o quadro. O mundo está tendo uma overdose de estímulo econômico.
Quando se pergunta às autoridades econômicas sobre aumento de gastos, a resposta é que o Brasil, dentro do G-20, é um dos melhores. Afinal, no acumulado do ano, ainda tem superávit primário. Maio foi um mês à parte, com déficit primário.
O problema é que o crescimento da despesa de pessoal é maior do que o próprio aumento da despesa geral. Na ponta do lápis, as receitas do Tesouro, divulgadas na quinta-feira, mostraram uma queda de 4,4% no acumulado de cinco meses até maio, em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao mesmo tempo, a despesa teve aumento de 14,4% e o gasto com pessoal cresceu 18,3%. Em termos reais.
O investimento cresce pouco. O número registrado, de 20,4%, parece promissor, mas o que o engorda é o fato de que no ano passado o Congresso demorou a aprovar o Orçamento, então não se pôde fazer investimentos. A base de comparação é baixa.
Queda de arrecadação de um lado e aumento de despesas fixas, de outro. Essa é a síntese das contas públicas do país em meio à crise. E o que é pior, os investimentos do PAC, que são gastos em infraestrutura, custam a sair do papel.
De acordo com o economista Gil Castello Branco, do Contas Abertas, das mais de 10 mil obras previstas para serem executadas no programa, de 2007 a 2010, apenas 3% foram concluídas até dezembro de 2008, na metade do prazo. Os números são diferentes dos apresentados pela ministra Dilma Rousseff. A discrepância tem uma explicação constrangedora. Na hora do balanço, retira-se o que está apresentando problema para que o percentual de obras concluídas fique maior. Foi assim que as obras de saneamento não apareceram no último balanço, segundo Castello Branco.
- Basicamente, o PAC só vai bem nas obras tocadas pelas estatais, principalmente a Petrobras, que já possui logística, pessoal e orçamento para ser executado. Já as obras de saneamento, principalmente as que passam pela Funasa, estão com problemas. Não é à toa que o governo exclui essas obras dos balanços, fazendo com que o percentual concluído salte para 14% - explicou.
O economista Raul Velloso acha que a luz amarela acendeu nas contas públicas brasileiras com os dados de maio. E a luz pode ficar vermelha se continuar aumentando a relação dívida/PIB. Em conversa com Bruno Villas Bôas, do blog, ele lembrou que no início da crise econômica, em novembro, a taxa estava em 35%. Essa relação foi para 38,8% em dezembro e continua crescendo:
- Essa alta pode passar a sensação de que o governo está perdendo o controle da dívida, que não vai honrar seus compromissos.
O Banco Central no relatório de inflação prevê que essa relação chegará a 42%. É bom lembrar que essa forma de fazer a conta é a mais favorável ao governo porque é a dívida externa, mais dívida interna, menos reservas cambiais. Como as reservas crescem, a dívida cai. Mas a dívida interna como proporção do PIB foi de 40% para 60% no governo Lula. E isso numa época de forte crescimento de arrecadação.
O problema agora é que a arrecadação cai, as renúncias fiscais tomam parte da receita, e as despesas que aumentam são as de custeio, Previdência, pessoal e encargos sociais. Despesas fixas que não poderão ser eliminadas no futuro.
Parte do problema agora é fruto de o governo ter subestimado a crise. Até março deste ano, o governo ainda previa crescimento de 3,5% do PIB em 2009, enquanto no mercado há muito tempo já se falava em recessão. Ainda hoje, a estimativa é alta demais para a média. O Boletim Focus estima queda de 0,57%. O governo ainda mantém crescimento acima de 1%.
Pelas contas do economista Felipe Salto, da Tendência consultoria, cerca de dois terços da queda de 6% da receita líquida do governo central são resultado das desonerações para setores industriais que, curiosamente, até o presidente Lula criticou esta semana.
Um dado favorável será a queda do custo da dívida interna com a redução da taxa de juros.
Mesmo assim é uma das dívidas mais caras do mundo. O mais preocupante na questão fiscal não são nem os números, é a interpretação do governo Lula de que pode-se fazer aqui o que outras economias estão fazendo. Aqui, a carga tributária é alta demais, a dívida interna é alta, os juros cronicamente elevados e o governo está contratando aumento de despesa que não poderá reduzir. Isso sem falar nos esqueletos previdenciários que podem sair do armário, confirmando que no Brasil até o passado é incerto.
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