Política
Miriam Leitão Hoje se improvisa
O GLOBO
Foi-se o tempo em que se dizia "o Itamaraty não improvisa". Hoje, tudo acontece. Presidente não é avisado do lado de quem vai se sentar, o país se omite na condenação a um genocida, demora a reagir ao discurso do presidente iraniano e o convida a visitar o Brasil em momento tão errado que ele mesmo cancela. O ministro da Energia admite que vai ceder ao Paraguai, o da Fazenda ofende a Espanha.
O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad cancelou a visita. Ufa! Menos constrangimentos a todos. O Brasil tem negócios com o Irã e quer mantê-los, mas montar escada para o proselitismo dele é que não pode fazer. A atual fase da diplomacia confunde as coisas, como na visita do presidente Lula à Líbia, em que ele elogiou a "democracia" de Muamar Kadafi.
A diplomacia brasileira tem sido palco de trapalhadas seriais. A pior delas, que parece anedota, é a de o presidente Lula ter descoberto que se sentaria ao lado do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a Humanidade. O Brasil já tinha feito um papelão no Tribunal Penal Internacional ao se omitir na condenação e na ordem de prisão emitida contra ele pelo TPI. Bashir é acusado de ser o responsável pela morte de 200 mil a 400 mil pessoas na guerra étnica de Darfur.
Logo depois, houve a reunião árabe com os países do Mercosul. A diplomacia árabe tentou arrancar um sinal positivo em favor do presidente do Sudão. Nada é por acaso em diplomacia, nada é sem significado: a distribuição de pessoas à mesa de um jantar oficial, por exemplo. A regra mais elementar do protocolo de qualquer chancelaria é verificar onde o presidente vai se sentar num jantar oficial. Trata-se de evitar constrangimentos, sinais de desprestígio ou prepará-lo para os temas que interessem ao comensal do lado.
Os árabes foram profissionais, o Brasil mostrou um desleixo inacreditável e o presidente Lula teve que resolver ele mesmo o problema, da pior forma: levantar-se e sair do jantar para não ficar ao lado de um delinquente político. Mas aí vem o preço da ambiguidade: se o Brasil não quis condená-lo no Tribunal Penal Internacional, por que então o presidente não pode tê-lo na cadeira ao lado? Uma trapalhada de quinta, num país que sempre teve tradição de ter uma diplomacia de precisão.
Está entre as funções clássicas do Itamaraty evitar as trapalhadas dos outros ministros através de providência simples, como: informar o chefe da delegação brasileira de qualquer assunto delicado, e destacar secretários ou conselheiros para acompanhar esses ministros e socorrê-los em determinados temas.
Pelo visto, não houve socorro a tempo para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que provocou uma gafe e um fiasco na última reunião do FMI. A gafe foi com a Espanha, com quem o Brasil tem comércio e relações políticas intensas. Mantega disse que o G-20 não deveria ter mais nenhum integrante, e isso quando a Espanha estava tentando entrar no grupo. Em seguida, veio o fiasco: ele pediu a volta de Cuba ao FMI. Mas Cuba saiu do Fundo porque quis.
A reação ao discurso do presidente Mahmoud Ahmadinejad contra Israel foi imediata. Os árabes aplaudiram, um número grande de países repudiou. O Brasil nada fez na hora e só três dias depois soltou uma nota repudiando o discurso.
A ambiguidade paralisante da política externa em relação ao assunto tem razão de ser. Em entrevista concedida à revista "Piauí", Marco Aurélio Garcia, um dos ministros das relações exteriores que o Brasil tem, foi claro sobre Israel: "Temos de parar com essa diplomacia de punhos de renda. Os judeus têm o hábito de achar que qualquer crítica é uma manifestação contra a existência de Israel. Se um cara entra aqui e detona uma bomba e mata dez pessoas, é terrorista, mas quando Israel bombardeia duas escolas da ONU e mata crianças não é terrorista?". Depois de dizer que o governo de Israel apoiou o apartheid, a ditadura de Somoza e a de Salazar, terminou afirmando: "Não me venham (os israelenses) agora bancar os bacanas para o meu lado."
Garcia pode até ter razão em alguns pontos, mas é contraditório, porque o Brasil nada tem a opor a outras ditaduras, como a chinesa, a saudita, a cubana. Além disso, é um linguajar inapropriado. Ele é, neste momento, uma das vozes da diplomacia brasileira. E esse é um dos piores lados da diplomacia do governo Lula. O Itamaraty, sob Celso Amorim, aceitou o inaceitável: dividir o comando da diplomacia. Aí, virou terra de ninguém, ou de todo mundo.
Terra dos amadores, por exemplo, como o ministro Edison Lobão, que antes de iniciar uma negociação com o Paraguai, e sabedor de que o presidente Fernando Lugo, em suas peripécias sexuais, precisa desesperadamente se fortalecer, já começa a conversa dizendo em que pode ceder. Evidentemente, Lugo respondeu que não é o suficiente, e quer mais. Crescer para cima do Brasil é sua única saída. Quem viu a sutileza, a firmeza e o profissionalismo com que foi negociado o Acordo de Itaipu, pela equipe do então chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, tem uma desagradável sensação de retrocesso.
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