Política
MÍRIAM LEITÃO Pelo motivo certo
O Globo - 20/07/2010
Há dois motivos para a redução das previsões de alta dos juros: está havendo uma revisão para baixo das expectativas de inflação e do ritmo de crescimento econômico, para um patamar de maior equilíbrio. Esse é o bom motivo. Mas alguns analistas estão refazendo as contas porque acham que está havendo interferência política, por causa das eleições, no Banco Central.
Há economistas revendo projeções de alta nos juros de 0,75 ponto para 0,50, para a reunião do BC que começa hoje e termina amanhã. O Bradesco, por exemplo, fez isso ontem. De manhã, a análise do banco era de 0,75 ponto e, de tarde, em outro texto, baixou para 0,50. Motivos existem. Nas últimas duas semanas a pesquisa feita pelo Banco Central com as instituições financeiras mostrou redução das previsões de alta da inflação para o ano.
Ainda está acima do centro da meta, mas caindo.
No começo do ano, houve choques pontuais de preços, como o de alimentos, e um ritmo muito acelerado do crescimento. No segundo trimestre, o ritmo foi reduzido. O BC mostrou isso no seu novo indicador de atividade.
O economista José Márcio Camargo, da PUC e da Opus Gestão de Recursos, acha que a situação internacional ainda é de muita incerteza com a crise fiscal europeia e que isso levará a economia mundial, e brasileira, a reduzir o ritmo de crescimento no segundo semestre, naturalmente: — Uma crise fiscal, como nós sabemos, não é fácil de resolver. As economias europeias estão frágeis e estão sendo duramente atingidas. A situação pode inclusive evoluir para uma nova crise bancária, não tão intensa quanto a outra. O BIS, em um estudo, mostrou que os bancos franceses e alemães estão com uma exposição de C 2 trilhões às dívidas dos países mais frágeis da Europa.
Há vários sinais de que a crise europeia ainda está em andamento. Neste fim de semana, o FMI suspendeu as negociações com a Hungria para a liberação de uma nova parcela de um empréstimo dado ao país em 2008.
Ontem, a Moody’s rebaixou a nota da dívida pública da Irlanda. O país, que tinha uma dívida pública de 25% do PIB, viu ela subir para 64% por causa dos estímulos para tirar a economia da crise e resgatar os bancos. A dívida deve continuar crescendo até chegar a 95% do PIB. Duas agências já haviam rebaixado a nota da dívida, porque se considera que dificilmente o país conseguirá levar o déficit público a 3% do PIB em 2014.
Entre outras coisas, porque os bancos irlandeses continuam precisando de injeções de dinheiro público, o saneamento não está completo.
Portugal foi rebaixado na semana passada. A Itália pode ser a próxima.
Num contexto assim, a economia mundial reduz seu ritmo e isso acaba provocando uma redução do crescimento da economia brasileira também.
— Nós, na Opus, estamos avaliando que o crescimento vai ceder e por isso não compartilhamos com as projeções que o mercado vinha fazendo de crescimento econômico muito forte. Além do mais, a aceleração do primeiro trimestre ocorreu como efeito dos estímulos fiscais, que acabaram. Houve antecipação de consumo e, portanto, menos consumo agora. Isso pode levar a um aumento de juros de 0,50 p.p.
— diz José Márcio.
O Bradesco também considera que houve uma mudança no cenário com aumento da incerteza internacional e novos dados mostrando um ritmo menor da economia e, assim, justifica a mudança feita ontem na sua previsão de elevação dos juros, para 0,50 p.p., o que elevaria a taxa para 10,75%.
Outros economistas dizem, no entanto, que apesar da mudança no cenário, há mais razões técnicas para continuar com o mesmo ritmo de elevação dos juros. O Banco ABC Brasil explica que o mercado interno continua aquecido, sustentado pelo nível de emprego, renda e crédito. Por isso, permanece achando que os juros serão elevados para 11%. No seu relatório, registra que a comunicação do Banco Central na última ata e no Relatório de Inflação mostrou que está “bastante preocupado com o descompasso entre oferta e demanda e com o aquecimento do mercado de trabalho.” O economista-chefe da Máxima Asset, Elson Teles, também acredita em aumento de 0,75 p.p. pelo mesmo motivo: é isso que o Banco Central tem dito implicitamente nos seus comunicados. Outros economistas lembram no entanto que em março, quando tudo levava a crer que os juros iriam subir, o Banco Central manteve a taxa sem alteração e fez uma ata dizendo que estava preocupado.
Essa diferença entre intenção e gesto acabou provocando muito ruído.
O Bank of America também aposta em aumento de 0,75 p.p., assim como a Ativa Corretora.
O BofA revisou para baixo a previsão de crescimento no segundo trimestre, para 0,4%, mas sustenta que o crescimento no segundo semestre será forte, levando o PIB a fechar o ano em 7,1%.
Enfim, os economistas têm formas diferentes de analisar a mesma realidade.
Muita coisa mudou na conjuntura desde a última reunião do Copom. Há como justificar tecnicamente uma redução do ritmo de elevação dos juros. O que tem um efeito bumerangue é o sinal que sai do governo de que a decisão do Copom terá que obedecer à conjuntura eleitoral.
Isso reduziria a confiança no Banco Central, o que leva a mais inflação.
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