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O Globo - 12/01/2010 |
A economia mundial voltou a crescer, mas com desajustes. Os Estados Unidos se recuperam puxados pelos estímulos fiscais. A Inglaterra continua em recessão. O Japão encerrou sua segunda década perdida. A China manipula a moeda. A retomada é instável e não justifica altas como os 150% do cobre. O sistema global não sabe ainda prevenir riscos. Quem quiser achar que tudo ficou milagrosamente bem de um momento para o outro tem que se esforçar para não ver os vários sinais de que os desequilíbrios permanecem: risco de formação de bolhas pelo excesso de liquidez; dependência crônica da ajuda governamental; crescimento forte do déficit público em inúmeras economias. Para evitar o risco da depressão, os governos no ano passado fizeram políticas tão extraordinárias quanto o momento: levaram os juros a zero, forneceram um socorro em níveis nunca vistos aos bancos e lançaram poderosos programas de estímulo econômico para reativar o consumo. Mas tudo isso, e nesse volume, tem efeito colateral. Vários países da Europa voltaram a crescer e isso é animador, mas alguns dos membros do bloco estão à beira de uma crise financeira, como a Grécia. Se até agora não houve o pior nos países que estão com déficits fortes em transações correntes e alto percentual de dívida/ PIB é porque eles não têm moedas próprias para serem atacadas. O euro acaba sendo uma cobertura para todos, ainda que alguns países tenham mais desequilíbrios que outros. Mesmo assim, os sinais da crise continuam. Pelos dados da Eurostat, o PIB dos 27 países da União Europeia fechou o ano passado em queda de 4,1%, e tem previsões de crescimento magro, de 0,7% este ano, e de 1,6% no ano que vem. O desemprego na Europa e Estados Unidos está em dois dígitos. A recuperação do emprego será lenta nas principais economias do mundo. A Fitch Ratings diz que continua forte o estresse no mercado americano de crédito, principalmente nas dívidas de cartão de crédito. A diferença entre o cenário atual e o de um ano atrás é gritante. Há um ano, as projeções dos países eram quase todas negativas. Contavam-se nos dedos os países que teriam PIB positivo, como China e Índia. Hoje, contam-se nos dedos os que continuarão em recessão em 2010. A lista que a revista "Economist" publica na última página, com indicadores dos países, mostra que 36 dos 44 listados tiveram PIB negativo em 2009 e só três continuarão em recessão este ano. O maior número negativo é o da Venezuela, que possui também a maior inflação. A política cambial chinesa vai continuar sendo um fator perturbador na economia internacional. Como a moeda chinesa está seguindo uma paridade informal com o dólar, quanto mais a moeda americana se enfraquece mundialmente mais força exportadora a China tem. Em 1999, o país exportava 3% do comércio mundial; no ano passado, passou para 10% e superou a Alemanha como maior exportador. Os Estados Unidos, em 2009, importaram 15% menos da China, mas compraram 33% menos do resto do mundo. Resultado: a participação dos produtos chineses no total das importações americanas subiu para 19%. Se o comércio exterior da China continuar crescendo ao ritmo dos últimos dez anos, vai abocanhar um quarto do comércio internacional em dez anos. Se fosse em condições normais de competição, nada a reclamar. Mas a desvalorização artificial da moeda chinesa dá aos seus produtos uma força exagerada. Já o Brasil vem perdendo o mercado americano. Dados da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) mostram que de 2002 a 2009 as exportações brasileiras para os Estados Unidos cresceram magérrimos 2,3%, enquanto as exportações totais cresceram 152%. Por isso, o peso dos Estados Unidos caiu de 25% para 10% das nossas exportações. A AEB acha que parte da culpa é do governo que não se esforçou para manter o mercado e passou sete anos sem mandar uma única missão governamental aos Estados Unidos. O Brasil terá este ano que tentar recuperar espaços perdidos num mundo ainda com cicatrizes da crise e com o maior exportador tomando anabolizante cambial. O Japão tem previsão de crescimento este ano, mas magro. O país acaba de encerrar duas décadas de estagnação econômica, após o estouro da bolha da sua bolsa em 1989. O índice Nikkei tem agora um quarto do nível que tinha há vinte anos e o PIB nominal quase não cresceu. Os efeitos da crise não desapareceram milagrosamente, o mundo ainda caminha em terreno instável e nem começou a executar as grandes tarefas. O professor Ian Goldin, que foi vice-presidente do Banco Mundial, publicou um artigo no "Huffington Post" alertando para a necessidade de um novo sistema global para lidar com crises. Deu dados impressionantes: de 1980 a 2005 o fluxo externo multiplicou por 18 vezes; de 1998 a 2007 o valor das transações nos mercados de derivativos foi de US$ 600 trilhões, dez vezes mais que o PIB global. Mesmo assim, os 20 mil reguladores — altos funcionários de bancos centrais e de órgãos multilaterais — não previram a crise. O mundo ainda está longe de um porto seguro. |