Política
Missão (quase) impossível Merval Pereira
NOVA YORK. O presidente eleito, Barack Obama, está claramente com dificuldades para assumir uma posição diante da invasão israelense na Faixa de Gaza. Foi mais fácil semanas atrás, quando ocorreram os ataques terroristas em Mumbai. Naquela ocasião, não funcionou a tese de que o país tem que ter "um presidente de cada vez", e Obama se posicionou claramente contra o ataque terrorista. No início da crise econômica, mesmo ainda candidato a presidente, ele não se recusou a defender posições, e, principalmente depois de eleito, diante da gravidade da situação, assumiu a decisão de agir durante o vácuo de poder na transição do governo decadente de Bush para responder à ansiedade da sociedade americana por acenos para um futuro melhor.
A tese do "um governo de cada vez" só serve mesmo para evitar armadilhas antecipadas, como agora com a crise em Gaza, claramente armada por Israel para obrigar a futura administração americana a se posicionar sobre o Hamas.
A dificuldade de Obama é de prática, porque na teoria tanto ele quanto a futura secretária de Estado, Hillary Clinton, já se posicionaram claramente durante a campanha eleitoral. E suas posições são bastante semelhantes entre si e à política externa dos Estados Unidos: apoiam Israel e não aceitam o Hamas, que classificam de terrorista, como interlocutores.
Diferença fundamental é que o futuro governo dos Estados Unidos voltará à política dos anos 90 da administração de Bill Clinton, a favor de um Estado palestino. O fato de que o estabelecimento de um Estado palestino seja a chave para uma negociação de paz na região muda substancialmente a maneira de negociar.
A questão básica que se coloca para muitos: o Hamas, independentemente de sua natureza, é um grupo capaz de negociar ou seu objetivo é, pura e simplesmente, destruir Israel? O Hamas está comprometido com a causa palestina ou é uma subsidiária de Teerã?
O presidente eleito, Barack Obama, prometeu durante a campanha "eliminar" a ameaça representada pelo Irã a Israel, durante um discurso em Washington na AIPAC, a principal associação de defesa dos interesses israelenses nos Estados Unidos. Segundo ele, "não há ameaça maior para Israel e para a paz e a estabilidade na região que o Irã".
Já Hillary Clinton, quando senadora e candidata, sempre se posicionou a favor de Israel, que considera "um amigo e um aliado, que defende nossos valores", e chegou a ameaçar "destruir" o Irã caso ele lance um ataque nuclear contra Israel.
Caberá a ela, como secretária de Estado, mostrar-se uma interlocutora confiável para os palestinos, e para isso ela conta não apenas com um histórico de tentativas no governo Bill Clinton, como com alguns assessores importantes da futura Casa Branca que tiveram papel relevante no acordo de Oslo, por exemplo.
O futuro chefe de gabinete de Obama na Casa Branca, Rahm Emanuel, foi conselheiro de Clinton de 1993 a 1998 e tem muita ligação com Hillary, com quem trabalhou na tentativa de implantar um sistema de saúde universal no país. Por sua ligação com Israel, teve participação ativa na assinatura do acordo entre a Organização para Libertação da Palestina (OLP) e Israel em 1993, entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, nos jardins da Casa Branca.
Quase deixou de ser confiável devido a uma declaração de seu pai ao jornal israelense Maariv, quando foi escolhido por Obama: "Obviamente ele influenciará o presidente a ser pró-Israel. Por que não? Ele não é um árabe, é? Ele não vai para a Casa Branca para limpar o chão", declarou Benjamim Emanuel, fazendo com que seu filho telefonasse para Mary Rose Oakar, presidenta do Comitê Árabe-Americano de Antidiscriminação para desculpar-se.
Pelo chamado "acordo de Oslo", Israel concordava em transferir gradualmente partes dos territórios ocupados para a OLP, que em contrapartida desistia oficialmente do objetivo de acabar com o Estado judeu.
O ex-presidente Bill Clinton, em diversas ocasiões desde que deixou a Casa Branca, acusa a "liderança fraca" de Arafat por ter perdido "o melhor acordo de paz jamais conseguido" com a recusa da proposta do então primeiro-ministro Ehud Barak, em 2000, que incluía a devolução de grande parte dos chamados territórios ocupados e até mesmo chegava a um acordo com relação a Jerusalém, que teria uma parte árabe autônoma.
Clinton contou certa vez que o que inviabilizou politicamente o acordo foi a exigência de Arafat ao "direito de retorno" dos refugiados palestinos, muitos devido a guerras tão longínquas quanto a de 1948, coisa que todos sabiam que seria uma condição inaceitável para Israel.
Por isso, quando Arafat lhe telefonou para se despedir dele, na saída da Casa Branca, e lhe disse que ele era "um grande homem", Clinton respondeu: "Eu sou mesmo um fracasso colossal, e você é o culpado".
Como Clinton advertiu Arafat na ocasião, a recusa dos palestinos abriu caminho à radicalização de ambos os lados: o líder da direita, Ariel Sharon, visita a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, provocando a segunda intifada.
Hoje, o mesmo Ehud Barak é o ministro da Defesa de Israel que comanda o ataque ao Hamas na Faixa de Gaza, e o futuro governo de Barack Obama terá pela frente uma tarefa na política externa das mais delicadas, quase impossível: retomar o caminho da negociação política para conseguir o que parecia próximo em 2000, o estabelecimento de um Estado palestino convivendo com Israel.
Num momento em que os extremismos estão fortalecidos, Israel perde o apoio internacional, e o Hamas é uma força política e militar que se sobrepõe à autoridade palestina.
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