Moacir Scliar: Legado imortal Larissa Roso
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Moacir Scliar: Legado imortal Larissa Roso


Moacir Scliar: Legado imortal

Larissa Roso

Um dos mais prolíficos e premiados autores brasileiros, Moacyr Scliar tinha presença constante e intensa na vida literária local e nacional. O escritor morreu na madrugada de domingo, aos 73 anos, depois de permanecer mais de 40 dias internado no Hospital de Clínicas. Durante o velório, na Assembleia Legislativa (foto), colegas, amigos e autoridades saudaram a memória do autor que tornou o Bairro Bom Fim universal.

A cena estava ali, aos olhos de todos os que chegavam ao Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa ontem à tarde: o esquife fechado, como manda a tradição judaica, guardava o corpo do escritor Moacyr Scliar, e sua família enlutada recebia os cumprimentos de uma multidão que se manteve constante.

Mas a sensação de muitos dos presentes era resumida pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, secretário de Cultura e amigo de Scliar:

– Ainda não consigo imaginar um cenário da literatura do Estado sem ele, tal a intensidade com que ele vivia a vida literária, tão importante e aglutinadora era sua presença.

O rosto sério, encostado a um pilar do salão, outro dos grandes autores do Estado, Sergio Faraco, dizia algo parecido:

– Para nós, que começamos com ele mais ou menos na mesma época, pensar em um mundo sem Scliar é como sentir que falta um alicerce.

Tão logo soube da morte, ainda de madrugada, o presidente da Assembleia, Adão Villaverde, colocou à disposição da família o salão para o velório, e lá ficou grande parte do tempo.

O autor de mais de 70 livros em 73 anos de vida não tinha apenas talento e facilidade para a escrita, mas para fazer amigos. Sua morte na madrugada de ontem, depois de mais de 40 dias internado, deflagrou amplas manifestações de luto. As homenagens foram prestadas por conhecidos de Scliar em todos os seus campos de atuação: integrantes da comunidade judaica, médicos, jornalistas, escritores, leitores.

Seu editor, Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, voou de São Paulo tão logo soube da notícia. Discreto durante o velório, por vezes trocava algumas palavras com Judith, 64 anos, com quem Scliar era casado desde 1965. Um pouco mais ao fundo do salão, amigos manifestavam sua solidariedade ao filho de Scliar, o fotógrafo Beto, 31 anos. Membros da comunidade judaica de Porto Alegre, do meio literário, da imprensa, todos se enfileiravam para demonstrar seu respeito ao autor de O Centauro no Jardim. A Academia Brasileira de Letras, para a qual o escritor havia sido eleito em 2003, foi representada por Domício Proença Filho. Dilma Rousseff enviou uma coroa de flores. E a comoção chegou até a internet, onde a morte foi lamentada em blogs e no serviço de microtextos Twitter por jornalistas, escritores, amigos e leitores que só o conheciam por seus livros, por palestras para as quais o generoso autor sempre encontrava tempo ou pelas suas múltiplas crônicas na imprensa – para Zero Hora, ele escrevia três colunas semanais.

– Perdemos um dos nossos, mas a tristeza é de todo o Brasil. E também dos gaúchos que lamentam a perda de um escritor que retratou como ninguém o Estado em livros e em crônicas – disse o vice-presidente executivo do Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer.

Prêmios e fundação homenageiam autor

As homenagens ao autor devem se prolongar por todo o ano. Ontem, no velório do escritor, o governador Tarso Genro decretou luto oficial de três dias e anunciou que o prêmio literário que o Estado vai criar a partir deste ano, com apoio da Petrobras, para livros lançados nos dois anos anteriores, receberá o nome de Moacyr Scliar. A Academia Brasileira de Letras, em que Scliar ocupava a cadeira 31, também decretou luto oficial. O secretário de Cultura de Porto Alegre, Sérgius Gonzaga, presente no velório, informou que a Semana de Porto Alegre deste ano será em homenagem a Scliar. O Prêmio Fato Literário, entregue pelo Grupo RBS durante a Feira do Livro, homenageará o escritor em 2011.

– É uma perda enorme. Scliar era um escritor e um colega extraordinário, generoso e de grande simplicidade. Um homem que, com a mesma paixão, em um dia podia dar uma palestra em uma escola no Interior e dois dias depois estar em Nova York, para um curso – destacou o vice-presidente RS do Grupo RBS, Geraldo Corrêa.

A própria família Scliar estuda, passado o primeiro impacto, criar uma fundação com o nome do escritor para se dedicar a fazer o que ele sempre fez: apoiar novos autores. Scliar era conhecido por ser prestativo e atencioso com autores da nova geração e redigiu prefácios e textos de apresentação para muitos deles.

– Olhando agora, é bem apropriado que o último livro dele se chame Eu Vos Abraço, Milhões. É quase um livro-testamento para um autor que de fato parecia generoso o bastante para abraçar o mundo – disse Luiz Schwarcz.

REPERCUSSÃO

O adeus dos colegas

Durante todo o domingo, o nome de Moacyr Scliar se manteve entre os tópicos mais comentados – no Brasil e o no mundo – no Twitter, site em que fãs destacaram, além de seus livros favoritos, lembranças singelas. “Você contando suas histórias para mim sobre sua máquina de escrever. Obrigada por me dar esse momento maravilhoso. Vá em paz”, recordou uma admiradora de São Paulo, sem detalhar local ou data do encontro inesquecível. Veja, a seguir, o que disseram personalidades da área literária:

“Estou muito triste com as mortes do Scliar e do Benedito Nunes (filósofo e escritor paraense, também morto neste domingo). Perdi dois grandes amigos em um dia. Participamos (Scliar e eu) de alguns eventos literários juntos. Sempre foi uma pessoa muito generosa com os escritores. Nesse mundinho da literatura, há muita vaidade, uma vaidade doentia, como talvez exista em todas as profissões. O Scliar estava acima disso. Quem é generoso não precisa ficar se afirmando.

Não achava que ele iria embora agora, sinceramente. A morte é sempre um escândalo.”

Milton Hatoum, escritor amazonense, autor de Dois Irmãos

“A Academia está muito magoada. Moacyr foi um acadêmico exemplar porque ele era um acadêmico múltiplo: era um acadêmico na Academia e para a Academia. Ele era muito presente em seminários, simpósios, missões no Exterior, universidades estrangeiras.

Quantas e quantas vezes Moacyr nos advertia para questões de trabalho excessivo. E eu, muitas vezes, perguntava: ‘Moacyr, qual é a autoridade que você tem para reclamar de quem está trabalhando muito? Você não para de trabalhar!’

Marcos Vinicios Vilaça, presidente da ABL

“Era um dos escritores mais queridos da literatura brasileira. Não só por causa da obra, cuja importância é indiscutível, mas também pela generosidade com que tratava colegas, leitores, editores, jornalistas.”

Michel Laub, escritor gaúcho, autor de O Segundo Tempo

“Gostava muito do Scliar. A leitura de O Centauro no Jardim foi um impacto para mim. A Majestade do Xingu é um romance perfeito. Acabei de ler Eu vos Abraço, Milhões. Ele internacionalizou a literatura brasileira. Era um herdeiro do estilo do grande narrador.

Costumava encontrá-lo em feiras de livro. A última vez foi em Ribeirão Preto, em agosto. Em um hotel do Rio, no café da manhã, ele olhou para o meu prato e disse: ‘Bá, tchê, que frugal que tu és’ (risos). Como médico, achou a minha alimentação ótima, deu nota 10. Anos atrás, éramos jurados do prêmio Portugal Telecom. Um dia, brincou: ‘Agora vou me alimentar. Eu nem sei por que vou comer, já que eu sou imortal’. Só tenho doces lembranças dele.”

Cristovão Tezza, escritor catarinense radicado no Paraná, autor do multipremiado O Filho Eterno

“Ele fez a orelha do meu terceiro livro, Anotações Durante o Incêndio (2000). Não me conhecia, não sabia quem eu era. Leu e, em três dias, estava pronto. Depois descobri que ele era generoso para tudo. Quando eu era diretora do Instituto Estadual do Livro, se faltasse um autor para atender a uma escola lá num cafundó, ele ia. Era um entusiasta da literatura, um amante da vida. Muito grato ao Brasil, ao Rio Grande do Sul – foram esse país e esse Estado que acolheram a nossa gente. Ele se sentia profundamente gaúcho. Era sinceramente gaúcho e sinceramente judeu, embora não fosse religioso. Perdemos um homem maravilhoso, um diamante.”

Cíntia Moscovich, escritora gaúcha, autora de Duas Iguais
FONTE: ZERO HORA (RS)



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