Mudou alguma coisa - CELSO MING
Política

Mudou alguma coisa - CELSO MING



O Estado de S.Paulo - 16/08



Mais do que resultado imediato, o que se vê no PAC da Logística ontem anunciado é a mudança de atitude do governo Dilma.

O enfoque da política econômica, antes excessivamente centrado no consumo, passa a ser o investimento. O volume de recursos a ser destinado para expansão das malhas ferroviária e rodoviária é relativamente pequeno, de R$ 133 bilhões (pouco mais de um quarto do que só a Petrobrás prevê no seu Plano de Negócios de quatro anos), mas é só o primeiro bloco de uma série programada de concessões.

Mudam também os beneficiários diretos da decisão tomada. Os pacotes anteriores contemplaram meia dúzia de setores com isenção tributária, juros favorecidos e reservas de mercado. Este procura derrubar o custo Brasil. Qualquer melhora no gargalo de logística garantirá aumento de competitividade a toda a economia brasileira, não somente aos amigos do rei ou aos que gritam mais alto.

Uma terceira mudança de comportamento está no modo como o governo Dilma passou a tratar o estatuto das concessões. Os governos PT tiveram até agora enorme dificuldade para lidar com tudo o que seus dirigentes vinham chamando de privataria. Tiveram horror (e parecem ainda ter) não só de iniciativas que transferissem propriedades públicas para o setor privado, mas também de assinar parcerias com o setor privado para execução e administração de serviços públicos antes geridos com notória ineficiência pelo Estado - caso das ferrovias, das rodovias, dos portos, dos aeroportos e da geração e distribuição de energia elétrica.

Aí, o principal fator de quebra de paradigma é o cobertor curto do Tesouro, que não pode atender a todas as necessidades de investimento público. Mesmo assim, a presidente Dilma não reconhece a mudança. Preferiu dizer que foram corrigidos erros de governos anteriores - como o da privatização da ferrovia da Vale do Rio Doce, que fechou seu uso para outros interessados.

O anúncio de ontem se restringiu ao lançamento de projetos de investimento nas áreas rodoviária e ferroviária. O governo promete mais edições nas próximas semanas, sobretudo na produção de energia elétrica, no discutível trem-bala, nos portos e nos aeroportos.

A promessa é de que só com as decisões anunciadas serão gerados 150 mil empregos e lançadas as bases para a retomada do crescimento econômico de 3,5% a 4,0% ao ano. Talvez seja promessa demais para o tamanho do pacote. Se vai dar certo ou não, são outros quinhentos (bilhões), depende de certa dose de boa governança - até agora, em falta. E também da capacidade de mobilização do tal espírito animal do empresário, cada vez mais descrente.

Falta entender o que será a mudança de critério na definição das concessões. O governo promete que o vitorioso será aquele que apresentar menor tarifa, não o maior ágio. É preciso ver na prática como isso vai funcionar.

Finalmente, é necessário dizer que demorou demais. Em vez de ter insistido em intervencionismos localizados e em puxadinhos de política industrial - que não podem mesmo ir muito longe - o governo deveria ter atacado há bem mais tempo os gargalos de infraestrutura e o escorchante custo Brasil. Em todo o caso, antes tarde do que nunca, como diz o velho ditado popular.



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