O Estado de S. Paulo - 08/07/2010 |
Sobre o desleixo dos principais candidatos à Presidência da República no cumprimento da exigência de registro dos programas de governo no Tribunal Superior Eleitoral não resta dúvida. A troca de papéis do PT na última hora e o envio do papelório do PSDB ainda sob formato de discursos já feitos dizem tudo a respeito do descuido.
Na pior, e talvez mais provável das hipóteses, trata-se de uma conjugação dos três fatores. O intuito da Justiça ao instituir a obrigatoriedade da apresentação do programa de governo no ato do registro da candidatura foi estreitar o laço do compromisso entre as intenções dos candidatos e as ações do governante eleito, dando visibilidade às propostas logo no início da campanha. Uma inovação. Os candidatos e suas estruturas, no entanto, não captaram a mensagem e preferiram dar à questão o tratamento burocrático e desatento reservado aos assuntos secundários. José Serra, a despeito ? ou quem sabe por isso mesmo ? dos anos dedicados ao projeto de presidir o Brasil, não se deu ao trabalho de preparar um relato específico; despachou para o TSE os discursos feitos em duas cerimônias de lançamento da candidatura: uma, oficiosa, em abril, outra, oficial, em junho. Como quem diz "isso aí é o que eu penso". De fato, Serra escreveu os dois textos que refletem o pensamento dele a respeito do que está errado e do que precisa ser consertado no Brasil. Isso e também várias considerações de natureza político-eleitoral adequadas às situações de origem, mas absolutamente fora daquilo que pediu o TSE, um programa de governo. Este, explica o PSDB, ainda está sendo feito mediante coleta de sugestões via internet. É de se perguntar, então, se vale o escrito nos discursos ou se valerá a obra coletiva a ser escrita com a contribuição dos internautas. Muito provavelmente nem uma coisa ? apresentada à Justiça com burocrático desdém ? nem outra, mera instância de simulação participativa já que o plano de governo está na cabeça de José Serra. Justamente por essa razão o candidato tinha a obrigação de atender ao compromisso pretendido pelo tribunal de forma menos indigente. A candidata Dilma Rousseff fez pior: chancelou, com sua assinatura em cada uma das 19 páginas do documento, uma versão que segundo auxiliares de campanha era fictícia. Ainda de acordo com assessores, assinou sem saber o que estava fazendo. A aposição repetida de rubricas no escuro, sem a mais pálida noção sobre aquilo com o que se está concordando nem a menor curiosidade de perguntar do que se trata, não é a melhor das credenciais para quem pede voto de confiança para presidir a República. Tampouco será digna de bom crédito a candidata no caso de fictícia ser a história contada pela assessoria para justificar a troca do programa aprovado pelo PT em fevereiro último por uma tradução mais moderada da mesma proposta, sete horas e muita repercussão negativa depois. E nada parece verdadeiro nessa versão: nem que tenha havido um "erro administrativo", conforme alega o comando da campanha, muito menos que Dilma desconhecesse o conteúdo do programa aprovado em Congresso no qual foi declarada oficialmente candidata do partido à Presidência da República. Não parece crível que algum misterioso radical do PT tenha querido "empurrar" a proposta que ameaça o direito de propriedade e a liberdade de imprensa entre outras providências, já que o registro no TSE não assegura eficácia. Mais provável mesmo é que o PT tenha padecido do mesmo mal que acometeu o PSDB: desleixo puro. Com isso ambos perderam a chance de dar tratamento nobre aos respectivos programas de governo, desrespeitaram a Justiça e deram de ombros ao interesse do eleitorado. |