Difícil equilíbrio
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 19/07/11
A presidente Dilma está tendo sucesso aparente na limpeza ética que
decidiu empreender no Ministério dos Transportes, mesmo que tenha
optado circunstancialmente pela manutenção do Partido da República no
comando de seu feudo político. Com os seis funcionários demitidos
ontem, já são 13 as demissões, a começar pelo próprio ministro Alfredo
Nascimento, o que indica que, até o momento, a presidente tem
conseguido emparedar o PR para enquadrá-lo dentro de seus critérios
funcionais.
Se realmente atingir o objetivo de implantar no Ministério dos
Transportes uma gestão eficiente e ética, sem retirar o PR do comando,
terá acontecido um milagre que pode redimir o conceito de
"presidencialismo de coalizão", tão desmoralizado no atual momento a
ponto de se transformar em um empecilho à democracia brasileira.
Infelizmente, não acredito que seja possível essa redenção de um
partido que tem em seu DNA a prática política sem parâmetros éticos, e
acredito mesmo que, por maior que seja a faxina, ela não corresponderá
a uma mudança de atitudes do PR, pois para isso o partido teria que se
transformar em um agente de políticas públicas que beneficiem o
cidadão, em vez de ser o que é hoje, um agente político que beneficia
grupos encastelados no poder central, sem nenhum tipo de preocupação
com políticas realmente públicas.
Até o nome do partido - Partido da República - foi escolhido a dedo,
para, sob a proteção de uma denominação que indica a preocupação com a
proteção de valores da cidadania, poder atuar cinicamente em benefício
de seus apaniguados.
É possível que as demissões arrefeçam momentaneamente o apetite
predatório dos dirigentes do PR, mas nada indica que eles se contentem
da noite para o dia com um papel "republicano" de atuação.
E nem que outros escândalos não surgirão, dentro do Ministério dos
Transportes ou em outros ministérios administrados pela mesma cobiça
dos que formam a coalizão governista, sem outra liga que não seja o
interesse nas benesses que possam usufruir estando no poder central.
Mas não resta dúvida de que a presidente Dilma, com a demonstração de
que está empenhada em encarar a questão da corrupção em áreas de seu
governo, vem ganhando a simpatia de setores que não são atrelados ao
lulismo, o que poderá ampliar sua área de aprovação se conseguir, ao
mesmo tempo, manter o apoio da ampla base partidária que lhe dá
sustentação no Congresso.
E aí é que está o problema da presidente Dilma: essa equação não
fecha. Como é possível combater a corrupção dentro de sua base de
apoio sem perder esse mesmo apoio?
Como manter o PT como seu partido de sustentação se também o partido
se considera maltratado pela presidente e teve indicações suas
demitidas no mesmo bolo anticorrupção que está atingindo especialmente
o PR?
Nunca é bom esquecer que a relação da presidente Dilma com o PT não é
a de uma filiada histórica, mas a de uma novata que teve o destino
alterado por um bafejo da sorte, e que não exerce nenhum tipo de
liderança partidária.
Ao contrário, os líderes petistas consideram que este governo é deles
mais que o de Lula, pois o partido é maior do que Dilma, e menor do
que seu grande líder.
Como manter uma postura diametralmente oposta à de Lula se ele
continua sendo o grande líder político do grupo que está no poder, e a
própria presidente Dilma não se constrange em pedir-lhe conselhos, ou
não se incomoda de vê-lo atuar como se fosse a verdadeira fonte
originária do poder que ela exerceria por delegação?
Há quem considere que está sendo montado um grande quebra-cabeça
eleitoral, onde Lula garantiria os votos dos beneficiários dos
programas assistencialistas e dos movimentos sociais, enquanto Dilma
posaria de uma presidente mais ligada em questões morais que falam de
perto a uma classe média que já é a maioria no eleitorado brasileiro,
com seus valores éticos sendo afrontados pela corrupção que se alastra
pelo governo.
A mudança de tom, especialmente no início do governo, em relação aos
direitos humanos nas relações com outros países, teve a intenção de
marcar uma nova posição, mais próxima do sentimento médio brasileiro.
Mesmo que essa posição não tenha progredido muito depois da rejeição
ao apedrejamento de mulheres pelo Irã, ficou uma marca que pode ser
retomada a qualquer momento.
Da mesma forma que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
recomendou ao PSDB e à oposição em geral que procurassem se aproximar
da classe média e dos que se utilizam dos novos meios tecnológicos
para interagir nas redes sociais, também os governistas teriam chegado
à conclusão de que teriam que enviar sinais para esse mesmo grupo, que
na última eleição engrossou a votação oposicionista.
O Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, agora dirigido pelo ex-senador
Tasso Jereissati, está planejando seminários em diversos pontos do
país para renovar o ideário do partido e aproximá-lo do eleitorado de
tendência oposicionista, especialmente a classe média emergente.
Também o governo, através do ministério de assuntos estratégicos, está
em busca desse mesmo público e já anuncia seminários para identificar
quais as ações necessárias para garantir ao governo o apoio desse
segmento da sociedade que parece, mais do que nunca, decisivo
eleitoralmente.
Mais uma vez, seja um movimento combinado ou espontâneo, vai ser
difícil à presidente manter-se equilibrada entre essas duas vertentes
da política.
Vai chegar um momento em que ela terá que optar.