Política
No paraíso salarial do funcionalismo - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 03/07Assim que a Lei de Acesso à Informação foi promulgada, em maio, e o Brasil entrou para um grupo de países que praticam, como deve ser, uma política de transparência diante da sociedade, logo apareceram, por inevitáveis, as primeiras resistências à abertura de arquivos de interesse público.Por motivos conhecidos, sindicatos de servidores estão entre os primeiros a resistir à Lei de Acesso. Chegam a usar o argumento canhestro de que a divulgação dos salários do funcionalismo colocaria em risco a segurança do servidor. Balela, pois, há algum tempo, o estado de São Paulo divulga sua folha de pagamentos, sem qualquer registro de mudança nas estatísticas de criminalidade contra algum segmento específico da população. Mesmo assim, o Sindicato dos Servidores Públicos do DF conseguiu, num plantão judicial de sexta-feira, sustar, por meio de liminar, a divulgação dos salários de seus associados.É evidente o interesse em manter nas gavetas salários excessivamente elevados pagos a categorias de servidores, sem qualquer justificativa aceitável para tal - nem produtividade, nem mérito pessoal. A imprensa se vale da nova lei e tem revelado o cenário completo de distorções existentes na administração de pessoal do setor público, onde existem castas de privilegiados, com salários de fazer inveja no Primeiro Mundo.Reportagens publicadas pelo GLOBO no domingo e segunda, com base em estatísticas do Censo de 2010, revelam, por exemplo, que o servidor federal ganha mais que o empregado formal na iniciativa privada em 88% das funções.As diferenças de remuneração variam. Advogados e juristas recebem, em média, mais que o dobro (121%) dos colegas do setor privado, para trabalhar as mesmas 40 horas semanais - R$ 10.097 contra R$ 4.578. Professores universitários, por sua vez, ganham 21% a mais. Na iniciativa privada, aponta o professor e pesquisador Waldir José de Quadros, da Unicamp, leva-se 20 anos para se conseguir um salário de R$ 20 mil, e sem qualquer garantia de estabilidade. Mas se a pessoa passar num concurso para a Polícia Federal, Banco Central ou Judiciário, a depender da função, começa a carreira já com este salário. E ainda com a vantagem da estabilidade. É um Brasil à parte.Dentro das próprias carreiras no Estado há distorções. Um advogado da União, por exemplo, recebe salário inicial de R$ 14.970 ou 368% a mais que os R$ 3.200 do médico em inicio de carreira na área pública. A discrepância também é enorme com relação ao professor auxiliar universitário (580%). Isso apesar de todo o discurso de governantes e políticos a favor da Educação e Saúde públicas.A distância entre salários no mundo estatal e privado cresceu na Era Lula, cujos governos, principalmente o segundo, souberam retribuir a antiga aliança política de corporações sindicais do setor com o PT/CUT. Generosos reajustes conseguidos antes da campanha eleitoral de 2010, com reflexos até em orçamentos do próximo governo, também ajudaram a pavimentar a vitória de Dilma Rousseff.A presidente, pelo que tem dito, gostaria de uma máquina pública mais eficiente - ou menos deficiente. Mas teria de cobrar resultado de categorias culturalmente despreocupadas com a meritocracia e o profissionalismo. Tanto que se prevê uma onda de greves de servidores federais.
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