Nova prisão do ''companheiro'' Editorial- O Estado de S.Paulo
Política

Nova prisão do ''companheiro'' Editorial- O Estado de S.Paulo


Quem conhece sua história não foi surpreendido pela notícia da nova
prisão do líder sem-terra José Rainha, em operação deflagrada pela
Polícia Federal para deter também outros nove suspeitos de integrar
uma quadrilha formada para desviar dinheiro público. Rainha é velho
conhecido da Polícia, e ele mesmo conhece bem diferentes
estabelecimentos prisionais, pois os tem visitado com certa
regularidade há muito tempo. O que causou estranheza nesse episódio
foi a crítica de um ministro de Estado - no caso, o ministro-chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho - à
ação policial, por considerar que ela "tumultua" o processo da reforma
agrária.

O retorno de Rainha à prisão é consequência da Operação Desfalque,
conduzida pela Polícia Federal para apurar o desvio de recursos do
governo destinados a assentamentos na região do Pontal do
Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo, área em que o detido
atua. Expulso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST),
Rainha está à frente do que ele denominou MST de Base.

A investigação começou a partir de relatos dos próprios assentados do
Pontal do Paranapanema, que, em depoimentos à Polícia Federal e ao
Ministério Público, disseram não aguentar mais "ser espoliados e
controlados pela organização criminosa", liderada por Rainha, como
afirma a denúncia. Em abril, a Justiça Federal aceitou denúncia do
Ministério Público contra ele e outras pessoas, por desvio de dinheiro
que era repassado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) para as entidades criadas pelos assentados.

O que há de novo nessa prisão temporária de Rainha é o motivo. Esta é
a primeira vez que ele é suspeito de desvio de dinheiro público.

Rainha já foi acusado de outros crimes. Em 1997, por exemplo, foi a
julgamento pela participação no assassinato de um fazendeiro e de um
policial militar em Pedro Canário, no Espírito Santo. Condenado a 26
anos de prisão, recorreu e foi absolvido. Em 2002, foi preso em
flagrante por porte ilegal de arma no município de Euclides da Cunha,
no Pontal do Paranapanema. Nos anos seguintes, até 2006, foi preso
mais três vezes no Pontal, sob acusações variadas, como formação de
quadrilha, incitação à violência, incêndio e furto.

É surpreendente que, tendo Rainha essa folha corrida, o ministro
Gilberto Carvalho tenha se declarado "extremamente preocupado" com a
prisão, que, no seu entender, tumultua o processo de reforma agrária e
o relacionamento do governo com os movimentos sociais. Em nota
divulgada após a publicação dessas declarações, Carvalho esclareceu
que "em nenhum momento pretendi imiscuir-me no processo de
investigação que levou às prisões" e observou que a lei assegura aos
acusados o direito de defesa "e os preserva de condenações açodadas,
antes do devido processo legal".

É uma observação desnecessária, pois não houve nem há nenhuma
indicação de que, no caso da nova prisão de José Rainha, seus direitos
não estejam sendo assegurados.

Com suas declarações, Carvalho não deixa nenhuma dúvida de que, também
no que se refere a Rainha, sua posição é idêntica à de seu chefe Luiz
Inácio Lula da Silva.

Em 2005, em pleno exercício de seu primeiro mandato presidencial, Lula
fez uma clara homenagem a José Rainha, a quem trata familiarmente por
Zé, mesmo tendo o líder rural já sido acusado, julgado, condenado e
depois inocentado por participação em assassinatos e preso outras
vezes sob diferentes acusações.

Para Lula, Rainha "é perseguido, de vez em quando preso", mas, acima
de tudo, é "companheiro de primeira hora", "companheiro que conheço há
muitos anos, há muitos e muitos anos". Na ocasião, Lula disse que,
"quando eu deixar de ser presidente, muitos que hoje são meus
companheiros não serão mais, mas você (dirigindo-se a Rainha)
continuará sendo meu companheiro".

Além dos riscos à segurança pública que o levaram à prisão em outras
ocasiões, agora o "companheiro" Rainha é preso por representar risco
às finanças públicas.




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