A Apple anuncia que Steve Jobs não vai estar presente
no próximo Macworld, evento anual em torno dos produtos
da companhia, e cria outra onda de boatos sobre a saúde
do empresário
Carlos Rydlewski
Tony Avelar/ AFP |
Não se fala em doença Jobs magérrimo (à esq.), em outubro deste ano, e no início de 2007: câncer ou vírus? |
O sucesso e a eficácia das apresentações públicas de Steve Jobs são tão grandes que seus fãs chegam ao cúmulo de assegurar que, nesses momentos, o presidente e fundador da Apple, fabricante de produtos como o iPod e o iPhone, é cercado por um "campo de reconfiguração da realidade". Na semana passada, contudo, a companhia com sede em Cupertino, na Califórnia, divulgou a informação de que Jobs vai interromper uma tradição de mais de uma década e em 2009 não participará da abertura do Macworld, evento realizado na primeira semana de janeiro, em São Francisco, que atrai a atenção de todo o mundo para as novidades tecnológicas apresentadas pela marca. A notícia fez recrudescer rumores sobre a saúde do executivo. Jobs, de 53 anos, teve um tipo raro de câncer no pâncreas diagnosticado em 2003. O tratamento estendeu-se até 2004. Em outubro deste ano, em sua última aparição num palco, sua aparência era impressionante. Suas roupas habituais – calça jeans e camiseta preta com gola alta – vestiam um corpo magérrimo. Na esteira dos rumores, as ações da Apple despencaram 7% na bolsa de tecnologia dos Estados Unidos. Explica-se: a identificação entre Jobs e a Apple é tão estreita que os investidores têm dificuldade em projetar o futuro da empresa sem o seu comando.
Um estudo feito pela Universidade Harvard e pela Wharton School aferiu que a sucessão do fundador reduz, em média, em 18% o valor de mercado de uma companhia. Esse porcentual pode aumentar se houver a percepção de que tudo na empresa depende da visão de um indivíduo. É por isso que, no curso das últimas décadas, os teóricos da administração pregam práticas voltadas para o incremento da governança corporativa e a disseminação de conhecimento no interior das empresas. Um estilo excessivamente personalista de comando vem sendo desaconselhado, pois embute esse tipo de risco. Obviamente, é um trunfo poder contar com um líder tão brilhante e carismático quanto Jobs. Mas a imagem que se tem da Apple é a da banda de um homem só: todos os instrumentos seriam tocados por ele.
No presente, uma associação tão íntima entre um indivíduo e uma marca só encontra paralelo na união entre Warren Buffett e sua empresa de investimento, Berkshire Hathaway. Foram os princípios e a habilidade inata do investidor mais bem-sucedido do mundo que deram forma à companhia. Buffett entende o peso dessa ligação e suas implicações. Em 2000, soube que faria uma cirurgia para a retirada de pólipos do cólon. Antecipou-se e divulgou um comunicado à imprensa, acompanhado por um plano de sucessão. É esse tipo de transparência que analistas como Yair Reiner, do banco Oppenheimer, cobravam da Apple na semana passada. "Sem isso não posso indicar a compra para longo prazo de ações da companhia", disse Reiner.
Não se trata de um processo simples, mas dezenas de fundadores lendários deixaram o comando de suas empresas no passado e as marcas sobreviveram – e floresceram. Esse é o caso de Thomas Watson (IBM), Sam Walton (Wal-Mart), Ray Kroc (McDonald’s) e Soichiro Honda (Honda). Recentemente, Bill Gates passou o bastão da gigante Microsoft sem que houvesse turbulência. "Quando a transição é bem-feita, por mais carismáticos que sejam os protagonistas, ocorre o fortalecimento da organização", diz João Baptista Brandão, da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Essa preocupação não está evidente no caso da Apple – ao menos fora dos muros da sede em Cupertino. A marca cultiva há décadas o apreço pelo segredo e o aplica tanto a questões industriais como de organização. Desde junho, para conter os boatos sobre a saúde de Steve Jobs, a companhia limitou-se a informar que o problema do executivo se resumia a uma "bactéria comum". Em um telefonema ao repórter Joe Nocera, do jornal The New York Times, Jobs disse que o câncer não havia retornado e negou que corresse risco de vida, mas exigiu que o conteúdo da conversa fosse mantido em sigilo. Um gesto típico. Nocera escreveu que a doença em questão poderia não ser câncer, mas também não se resumiria à contaminação por uma bactéria comum.
Na semana passada, a Apple manteve o mistério e anunciou a ausência da estrela do Macworld sem mencionar uma palavra sobre a saúde de Jobs. Disse somente que havia alterado sua estratégia de vendas. Com uma rede de 240 lojas espalhadas pelo mundo, com 3,5 milhões de visitantes semanais, alegou que poderia prescindir desse tipo de evento para reforçar o caixa. Isso é fato. Mas um estudo do professor David Yoffie, da Harvard Business School, mostrou que a exposição na mídia obtida pela divulgação do iPhone feita por Jobs num verdadeiro show do Macworld, em 2007, proporcionou 400 milhões de dólares em propaganda gratuita. Muito dinheiro, para ser dispensado de uma hora para a outra.