Política
O calcanhar de Aquiles
Passos Coelho é actualmente uma espécie de Aquiles. O estado de graça em que se encontra, por oposição a evidentes sinais de decadência de quem permanece no poder, parece torná-lo invencível. As sondagens dão-lhe vantagem, os opinion makers quase garantem que será o próximo primeiro-ministro e seu partido encontra-se unido como há muito não se via (a entrevista de Paulo Rangel no Domingo ao Púbico é exemplo disso mesmo). Tudo parece correr bem ao novo líder do PSD. E apesar das arriscadas aproximações ao Governo em medidas de austeridade - aumento de impostos, congelamento de salários, cortes nas prestações sociais, SCUTs - o argumento da responsabilidade colou relativamente bem e as sondagens aí tem estado para demonstrar isso mesmo.
No grave momento de crise económica que o país atravessa, o liberalismo económico de Pedro Passos Coelho tem sido aplaudido numa série de matérias: da defesa de cortes nas despesas do Estado à crítica aos boys nas empresas públicas, da crítica ao endividamento público à redução dos salários dos políticos. Passos tem conseguido marcar a agenda em inúmeros domínios, demonstrando que apontar o dedo aos esbanjadores irresponsáveis recorrendo ao discurso do “temos vivido acima das nossas possibilidades” funciona particularmente bem em tempos de crise. O liberalismo do líder do PSD tem permitido que se posicione bem neste tipo de questões.
No entanto, como é sabido, o liberalismo possui também algumas dimensões menos populares, sobretudo no contexto português. A questão do veto do Governo à compra da Vivo pela Telefónica foi paradigmática a este respeito. Passos, de forma coerente em termos ideológicos, criticou o bloqueio de Sócrates à compra pela empresa espanhola. Fê-lo aliás em coerência com a sua postura crítica relativamente às golden shares do Estado, nomeadamente na Portugal Telecom. O problema é que este rasgo de coerência correu-lhe mal. Por mais que o eleitorado não tenha particular afecto por empresas públicas, não gosta da ideia das mesmas cairem nas mãos de capital estrangeiro. E não está preocupado com as regras de livre funcionamento do mercado. Apreciou portanto a acção do Governo Português e, se calhar pela primeira vez, não compreendeu de todo o posicionamento do líder do PSD. Possivelmente nem sequer o eleitorado mais fiél dos sociais-democratas o conseguiu fazer.
E este episódio é apenas uma amostra sobre o quanto algumas ideias liberais de Passos Coelho não terão acolhimento fácil no eleitorado português. “O principal partido da oposição pode ter encontrado um líder que o uniu e que tem boa imagem na televisão. Mas as questões políticas fulcrais neste país, nomeadamente qual deve ser o papel do Estado na economia parecem continuar a separá-lo da maioria dos portugueses.” A frase de Marina Costa Lobo, polítóloga do Instituto de Ciências Sociais, publicada em artigo do Jornal de Negócios na passada semana, sintetiza bem o calcanhar do Aquiles do PSD.
Como vai Passos Coelho dar a volta a esta questão? Como contornará esta dificuldade ideológica de fundo? Simples: por mais que goste de ser visto como um líder da nova direita liberal, Passos será pragmático. Terá de ser contido nas palavras numa série de matérias. Não quer dizer que não as tente colocar em prática, mas arranjará formas de as apresentar de outra maneira. E será também obrigado a ser flexível numa série de domínios, até porque o liberalismo a sério nunca foi um cânone do seu partido. O novo líder do PSD terá assim de começar a esconder muito bem este seu calcanhar. Caso contrário, o seu estado de graça corre o risco de acabar abruptamente.
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Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
(Imagem: Luis Bastos)
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