A política de comunicação de um Governo reflete bem o seu grau de coesão. A capacidade de comunicar de forma minimamente estruturada exige uma importante base de coordenação interna, alinhando prioridades, estruturando a agenda e articulando os atores. Não sendo uma tarefa fácil, consegue perceber-se à distância os Executivos que beneficiam de uma melhor política de comunicação e aqueles que andam aos bonés, navegando à vista quase o tempo todo.
Até há uma semana, eram com certeza poucos os que sabiam quem era o Secretário de Estado José Leite Martins. O episódio dos cortes das pensões acabou por catapultar um quase ilustre desconhecido para as luzes da ribalta. Assistiu-se então a um lamentável cenário de desautorização de Leite Martins por todo o Executivo Governamental, começando pelo Primeiro-Ministro e acabando por diversos colegas seus Secretários de Estado. À primeira vista, poder-se-á dizer que o referido sacrifício em praça pública foi a melhor solução possível para tentar resolver uma tremenda trapalhada. De qualqiuer modo, ficou mais uma vez evidente a imagem de desgoverno que o atual Executivo passa para o exterior.
Em Maio do ano passado, apontei precisamente neste espaço do Açoriano Oriental o Desgoverno em curso, tendo então como grande protagonista Paulo Portas e a sua capacidade de se colocar de fora e até de fazer oposição às decisões governamentais. O processo viria a culminar depois com o “irrevogável episódio” de Portas e a sua ascenção a Vice-Primeiro. Quase um ano depois, o Desgoverno contínua, sendo mais evidente do que nunca a falta de coordenação política interna.
Os Governos possuem tipicamente a figura de um coordenador político, uma figura-chave que nos ajuda a perceber um pouco o que agora se está a passar. O coordenador político é geralmente um ministro muito próximo do primeiro-ministro, bastante conhecedor da máquina partidária, e que assume a importante missão de colocação de alguma ordem na casa. No Governo de Durão Barroso tinhamos José Luis Arnaut ou Morais Sarmento a ocupar este lugar. Nos tempos de José Sócrates, todos nos recordamos de Jorge Coelho e, mais tarde, de Pedro Silva Pereira. No início deste Governo de Passos Coelho, foi o famigerado Miguel Relvas que assumiu esta posição. No entanto, no atual Executivo, este é um lugar em aberto. Aliás, Poiares Maduro começou por ser apontado como o grande coordenador político desta estrutura governamental. No entanto, estranho seria que um recém-chegado independente, sem qualquer governativa, pudesse desempenhar tal função. Moreira da Silva, por seu turno, foi remetido para a pasta do Ambiente e por lá tem ficado.
O atual Executivo não demonstra ter quem assuma a referida função. O que se torna particularmente preocupante tendo em conta que se trata de um Executivo de coligação. E a bicefalia reflete-se demasiado na própria estrutura interna, com a existência do cargo de vice-primeiro-ministro e a sua conhecida coordenação da vertente económica da política governamental. Não são poucas as vezes em que parecem existir dois governos.
Na ausência da referida coordenação, as evidências saltam demasiado à vista. Ministros que se atropelam frequentemente ou que atuam sem prestar contas a ninguém. Um primeiro-ministro que transpira falta de autoridade junto dos seus ministros e que vai sempre tentando, de forma reativa, dar forma ao monstro disforme em que o seu Governo se transformou.
Poder-se-á pensar que este desgoverno até representa uma boa notícia para quem a ele se opõe… No entanto, se pensarmos um pouco melhor, é sempre preferível um monstro orientado e focado do que um monstro em descontrolo total. O segundo consegue produzir ainda mais estragos.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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