O direito de saber O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
Política

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O Estado de S. Paulo - 04/12/2008

Na era da informação, a expressão segredo de Estado deve soar para muitos, notadamente para as novas gerações, como um anacronismo. Nada mais natural, para todos quantos tenham acesso a um computador conectado à internet, do que informar-se a todo instante sobre uma infinidade de assuntos apenas pressionando um par de teclas. A disseminação das chamadas ferramentas de busca e a multiplicação das redes virtuais de relacionamento, em que a troca de textos, sons e imagens é uma atividade a que incontáveis milhões de jovens dedicam as melhores horas de sua jornada, consagraram a idéia tácita de que o acesso à informação é um valor social, quando não um direito natural.

Reciprocamente, a idéia de que os governos se permitem subtrair do conhecimento público documentos que tratam de suas ações - desde sempre combatida pelos libertários, defensores da primazia da sociedade sobre a estatocracia - deve provocar na população internauta um sentimento entre a incredulidade e a repulsa. Não que a grande maioria dos seus membros se interesse necessariamente pelo que os governantes e as suas burocracias fazem - e querem manter longe das vistas alheias. O ponto é que, por uma questão de princípio, o direito de saber já deixou de ser uma demanda circunscrita a públicos, por assim dizer, especializados: pensadores, acadêmicos, pesquisadores, jornalistas e organizações voltadas para o resgate de evidências documentais sobre determinados processos ou períodos históricos, como, no Brasil, o da ditadura militar.

Essa nova cultura, avessa a toda modalidade de restrição do conhecimento, a ponto de nem sequer admitir a eventual legitimidade das razões de Estado, é o pano de fundo do debate sobre o projeto da Lei de Acesso à Informação que o governo deverá encaminhar ao Congresso em começos do próximo ano. O ponto polêmico da proposta é o que permite que documentos classificados como ultra-secretos possam ficar trancados nos arquivos oficiais indefinidamente, se a comissão incumbida de revê-los a cada 25 anos concluir que a sua divulgação poderá representar “grave ameaça externa à soberania e grave risco às relações internacionais”. O exemplo que vem à mente de todos é o da Guerra do Paraguai (1864-1870), cujos segredos envolvendo atrocidades praticadas por soldados brasileiros e a posterior demarcação das fronteiras definitivas entre os dois países o Itamaraty mantém nos seus cofres mais inacessíveis.

Mas, no geral, o projeto é arejado. De um lado, por abreviar a duração do sigilo imposto aos documentos considerados confidenciais - e que parecem proliferar na administração federal, às vezes ao sabor do burocrata que se imagina mais poderoso ao abater sobre um papel o carimbo que o enclausura. Atualmente, os documentos protegidos se dividem em reservados (sigilo de 5 anos), confidenciais (10 anos), secretos (20 anos) e ultra-secretos (30 anos). Os prazos são prorrogáveis. De acordo com a proposta do Planalto, a rotulação dos documentos ficará sujeita a critérios mais estritos, os níveis de sigilo serão reduzidos a três, com a provável extinção da categoria confidenciais - e apenas o prazo dos ultra-secretos poderá ser estendido. Além disso, numa inovação destinada a estimular a liberação progressiva da papelada, todos os documentos sigilosos serão revistos a cada dois anos.

O projeto é também atualizado porque obrigará União, Estados e municípios a entregar em até 20 dias úteis a qualquer pessoa documentos sobre licitações, auditorias, andamento de projetos e programas oficiais. O interessado pagará apenas o custo da sua reprodução. Se o órgão procurado não os tiver, o servidor terá de informar onde poderão ser obtidos. Se forem sigilosos, isso terá de ser comunicado. O texto prevê penas para o descumprimento injustificado de um pedido. O capítulo das sanções, aliás, inclui punição para quem destruir documentos que comprovem violação de direitos humanos. E nenhum documento a respeito poderá ter o seu sigilo prorrogado. Com bastante atraso, o Estado nacional dá um passo vigoroso para cumprir o preceito da Carta de 1988, de que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse público ou geral”.




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