Política
O efeito Abe-Kuroda - CELSO MING
O ESTADÃO - 13/04
Dia 4 de abril, o Banco do Japão (BoJ, banco central), presidido por Haruhiko Kuroda, anunciou decisão de política monetária ultra-agressiva que ameaça provocar terremotos em cadeia pelo mercado global.
Trata-se de compras maciças de títulos públicos que vão despejar cerca de 50 trilhões de ienes por ano, que, a câmbio de hoje, equivalem a meio trilhão de dólares. E mais: não há limites para a empreitada. O que tiver de ser será.
É claro que esta não é uma decisão unilateral do BoJ. Faz parte da nova estratégia de superação da prostração da economia japonesa, traçada pelo primeiro-ministro Shinzo Abe.
É uma iniciativa que muda muita coisa. Até agora, o BoJ atuava sob mil restrições. Não queria levantar acusações de que estaria imprimindo dinheiro para cobrir despesas do governo. Por isso, sua política que procurava impedir a excessiva valorização do iene (cotação baixa do dólar em ienes) e, assim, derrubar as exportações limitava-se quase tão somente à compra de moeda estrangeira no mercado de câmbio.
A decisão que acaba de ser tomada é da mesma natureza do chamado afrouxamento monetário quantitativo colocado em prática pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Com uma diferença: tem tudo para ser uma operação ainda mais gigantesca. Não se limitará a recomprar títulos públicos; vai adquirir também títulos privados e fundos negociados em bolsa.
Esse superdespejo de moeda nos mercados terá duplo efeito. O primeiro deles é a imediata desvalorização do iene. Em apenas uma semana, a moeda japonesa perdeu 1,4% em relação ao dólar. E, na medida em que essa política se aprofundar, mais desvalorização cambial deverá provocar. O segundo efeito será o barateamento do produto japonês em outras moedas e, consequentemente, o aumento das exportações. As autoridades comerciais da China estão aflitas, já imaginando o estrago que essa política vai provocar sobre as exportações chinesas. Somente no primeiro bimestre deste ano, o comércio entre os dois gigantes, Japão e China, já havia encolhido mais de 8% se comparado com igual período de 2012 e, a partir de agora, deve se reduzir ainda mais.
Os analistas globais se dedicam a avaliar os efeitos dessa decisão sobre o valor dos ativos financeiros e sobre a economia global. É uma tarefa exaustiva que, provavelmente, não será conclusiva. Quanto mais o Fed, o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e agora o BoJ se dedicarem a despejar trilhões nos mercados, mais cresce a apreensão sobre o custo de tudo isso em inflação. Por enquanto, não há indício de que um desastre desse tipo esteja em gestação. Mas essas coisas não são de dar aviso prévio.
Outra questão importante está em saber até que ponto essas megapolíticas não se anulam umas às outras. Caso o dólar se desvalorize em relação ao iene por obra do Fed e, se, logo em seguida, o BoJ iniciar um formidável processo de desvalorização do iene sobre o dólar, qual será então o resultado líquido desse choque de monstros?
O governo Dilma, que já vinha denunciando o tsunami monetário provocado pelo Fed, tem agora essa ameaça adicional. Gente muito próxima a ela prevê nova enxurrada de moeda estrangeira sobre o câmbio do Brasil. E essa é uma percepção partilhada também pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.
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