O envenenamento pelo lixo marítimo
Política

O envenenamento pelo lixo marítimo


Carta Capital

Delfim Netto

A edição on-line da excelente revista Der Spiegel (O Espelho), pinçada da internet na sexta-feira 5 de fevereiro, revela partes de um relatório do governo alemão com um grave alerta sobre o aumento dos volumes de lixo flutuante nos oceanos do planeta. O documento é classificado como confidencial em virtude, talvez, do fato de que algumas de suas conclusões são aterrorizantes, ao mostrar certas classes de riscos relativos ao consumo pelos seres humanos de peixes, mariscos e aves, sujeitos a um crescente processo de envenenamento pelo lixo marítimo.

A revista teve acesso ao resultado de pesquisas (a maioria das quais nos mares ao norte do continente europeu) que concluem pelo fracasso de quatro décadas de “enormes esforços burocráticos” patrocinados pela ONU e pela própria Comunidade Europeia para limpar o lixo dos mares.

Por razões de natureza política, provavelmente, o relatório faz a ressalva de que não é uma coisa simples fiscalizar o cumprimento da legislação para obrigar o descarte apropriado do lixo das embarcações, seja nos portos, devido aos altos custos, seja no mar, pela logística dos transportes. Ainda assim não deixa de ser duro ao concluir que tudo o que é relacionado aos acordos internacionais foi mal sucedido.

O aspecto mais dramático revelado nas pesquisas é o aumento da quantidade de plásticos flutuando nos oceanos ou que se acumula no fundo do mar e ainda conserva restos de veneno nas embalagens que levam décadas para se degradar. Especialistas alemães e britânicos que tiveram acesso aos estudos se preocupam, principalmente, com o envenenamento de aves e a contaminação dos peixes, que podem estar se transferindo para os seres humanos quando consomem alimentos vindos do mar.

O conhecimento desses problemas não é de hoje. Já mereceu inclusive advertências de pesquisadores europeus, reclamando da falta de atenção da comunidade científica e, principalmente, dos ambientalistas, em todo o mundo, pela indiferença diante do rápido agravamento da poluição marítima.

Pelo fato de os oceanos serem imensos, poucas pessoas pareciam se incomodar com o volume de lixo despejado. Em 2002, no entanto, estudos já haviam concluído que as aves tinham dificuldade de distinguir pequenos pedaços de plástico dos alimentos e pesquisas revelaram que 80% dos pássaros do Mar do Norte continham partículas do material em sua boca. Mais recentemente, ainda segundo a Der Spiegel, pesquisadores alemães da cidade de Büsum apontaram que quase todas as aves marinhas da região (93%) apresentaram pedaços de plástico no estômago.

Não é somente no Oceano Atlântico que esta questão dos plásticos assusta. Pesquisadores de uma organização ambiental patrocinada pela ONU testaram 11 diferentes locais escolhidos aleatoriamente no Oceano Pacífico e descobriram que a massa de material plástico flutuante era seis vezes maior que a massa de plâncton.

No Brasil, país com uma das maiores extensões de litoral atlântico do planeta, o tema da poluição marítima não tem sido tratado com muita frequência. Na verdade, não damos sequer a atenção devida para o problema trivial do tratamento do lixo em terra firme, no campo e com menor competência ainda nas regiões urbanas. Nossos autonomeados defensores do ambiente costumam mobilizar todas as suas forças para impedir a consolidação da nossa matriz de energia limpa, que tem sustentado o crescimento econômico sem a degradação ambiental. Poucas vozes são ouvidas, porém, em defesa da proteção de nossos rios e lagos contra a invasão do lixo urbano e do despejo tóxico.

Quando se trata do aproveitamento de nossos recursos fluviais, seja para a produção de energia, seja para a navegação, muitos “ativistas ambientais” se somam para tentar impedir o seu uso de forma racional. É verdade que hoje os brasileiros recebem informações de melhor qualidade a respeito da questão ambiental, mas ainda não nos libertamos totalmente das manifestações de ignorância ou má-fé como as que retardaram os licenciamentos para a construção das hidrelétricas do rio Madeira e de Belo Monte, no rio Xingu.

Creio, porém, que a maioria dos nossos patrícios já se deteve em algum momento para refletir sobre o tamanho do apagão em que viveria hoje a população do Centro-Sul e Sudeste se o licenciamento ambiental para a construção da hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná, tivesse sido retardado por quase 25 anos como aconteceu com Belo Monte, no Xingu.



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