Política
O erro mortal Celso Ming
Estadão
Em entrevista ao jornalista Ricardo Leopoldo, publicada ontem no Estadão, o ex-ministro Delfim Netto advertiu que "conter inflação com câmbio", como está fazendo o governo, "é erro mortal". Mas emendou: "É o único recurso disponível no momento".
O que Delfim está dizendo é que o governo está segurando artificialmente (por meio de venda de moeda estrangeira) as cotações do dólar para que o achatamento dos preços dos produtos importados ajude a combater a inflação. É erro mortal porque destrói a competitividade da indústria; porque um dia a bomba terá de ser desarmada; e porque cria outras distorções.
O que se pode acrescentar ao que disse Delfim é a observação de que esse erro mortal não é causa; é consequência de erros mortais anteriores.
Se está sendo preciso segurar a inflação com o câmbio é porque o governo deixou a inflação disparar para níveis inaceitáveis. E se ela disparou foi porque o governo deixou o Banco Central sozinho na parada e não cuidou da disciplina fiscal (controle das finanças públicas).
Além disso, uma das causas do atual nível de fragilidade das finanças públicas é a arrecadação insuficiente de impostos, que também é consequência do baixo crescimento do PIB, que não cria produto nem fato gerador de impostos.
O ministro Guido Mantega vai fazendo o contrário do que pregou. Passou meses reclamando da excessiva entrada de dólares e da guerra cambial feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e, no entanto, quando estava em suas mãos trabalhar pela desvalorização do real (alta do dólar), para dar competitividade à indústria, fez o contrário, como agora.
Mesmo quando não estava no governo, Mantega foi um dos críticos da utilização do câmbio como instrumento de controle da inflação (âncora cambial). Combateu, também, a prática de juros altos que favorece a entrada de capitais especulativos, aqueles que desembarcam por aqui para ganhar com aplicações no mercado financeiro. E, no entanto, foi Mantega que há três semanas removeu o IOF de 6% para zero por cento, para facilitar a entrada desses capitais e para ajudar a derrubar (ou a manter) as cotações do dólar à altura dos R$ 2,20.
Como segura os preços dos produtos importados, o câmbio represado é um atraso que se junta ao dos demais preços administrados (como os da energia elétrica e dos combustíveis), que não foram atualizados para evitar que a inflação vá para o céu.
Assim, o que vale para os preços administrados vale também para o câmbio. Quando as comportas se levantarem a inflação acabará decolando. O câmbio travado por decisão do governo e pela ação do Banco Central é fator adicional de insegurança, na medida em que os empresários evitam assumir compromissos em moeda estrangeira ou, se já estão amarrados a obrigações futuras em dólares, preparam-se para se defender quando a política mortal não puder ser mais sustentada.
Delfim tem razão quando afirma que, dadas as circunstâncias, o governo não encontra outro recurso senão manter o erro por mais alguns meses. Mas o caráter mortal da operação não se altera.
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