Carolina Romanini
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As células-tronco embrionárias são uma das maiores promessas da ciência para o tratamento de muitas doenças ainda sem cura, como Parkinson, diabetes tipo 1 e paraplegia. Retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização que normalmente seriam descartados, elas podem se transformar em qualquer uma das 216 células do corpo humano. Na semana passada, um grupo de cientistas da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, liderados pelo biólogo iraniano Karim Nayernia anunciou uma nova utilização para as células-tronco embrionárias na medicina. Com elas, a equipe conseguiu criar esperma humano em laboratório. No experimento, células-tronco masculinas deram origem a células progenitoras do espermatozoide com conteúdo genético completo, ou seja, 46 cromossomos. Após um processo de maturação e meiose, a divisão característica da formação de células sexuais, cada célula deu origem a dois espermatozoides com 23 cromossomos. Os espermatozoides são idênticos aos criados naturalmente pelo sistema reprodutor masculino, com cabeça, cauda e proteínas capazes de ativar um óvulo durante a fertilização.
Scott Heppell/AP |
LONGE DO PRECONCEITO |
O anúncio do sêmen criado em laboratório levanta evidentes questões éticas. Caso ele seja usado para fecundar um óvulo, a criança resultante não terá pai. Sua linhagem genética, do lado masculino, será herdada do embrião cujas células-tronco foram utilizadas para produzir espermatozoides. O biólogo Nayernia se apressa em esclarecer que o objetivo de seu estudo não é criar seres humanos em laboratório, mas desenvolver linhas de pesquisa para curar a infertilidade masculina. "Nosso estudo se destina a decifrar em detalhes como o esperma se forma e, dessa maneira, entender por que alguns homens são inférteis", escreve ele no relatório da pesquisa. Os estudos também poderão ser úteis para descobrir como algumas doenças genéticas são transmitidas através das gerações.
Segundo Nayernia, um dos próximos passos de sua equipe será tentar produzir esperma em laboratório a partir de células-tronco adultas. Com isso, ele pretende evitar as controvérsias de ordem ética e religiosa que perduram sobre as pesquisas científicas utilizando células-tronco embrionárias. Quem se opõe a elas alega que destruir um embrião significa matar um ser humano. Os embriões usados pelos cientistas têm no máximo catorze dias, são desprovidos de cérebro e de células nervosas, resultam de fertilização in vitro e nunca foram implantados num útero – em suma, não são seres vivos. No Brasil, as pesquisas com células-tronco embrionárias foram liberadas no ano passado. O biólogo iraniano já foi vítima do preconceito contra seu uso nos laboratórios. Há mais de dez anos, quando trabalhou na Universidade Georg-August, em Gottingen, na Alemanha, era obrigado a usar células embrionárias de ratos porque as leis alemãs fazem restrições com experimentos que utilizam embriões humanos. Há três anos, Nayernia decidiu se mudar para a Inglaterra, onde não há essa restrição, para dar continuidade aos estudos. Com a publicação da pesquisa, seus esforços foram recompensados.