O episódio que Seguro e Costa nos proporcionaram na semana passada foi um triste exemplo do nervosismo e calculismo que neste momento alastra no maior partido da oposição. Depois de dias a fio sem o negar, depois de ter seguidores nos quatro cantos a manifestar-lhe abertamente o seu apoio, depois até de uma conveniente fuga de informação para o Expresso pouco tempo antes da grande reunião no Rato, António Costa afinal não quer desafiar a liderança de Seguro. Apenas quer a unidade do PS neste momento tão importante para o país. Tudo não passou de um terrível mal-entendido...
Mas o que se passou, e está a passar no PS, não é evidentemente nada de novo ou sequer minimamente surpreendente. Os partidos, sobretudo os que rotativamente atingem o poder, funcionam como organismos que se comportam com base no meio que os envolve. Se sentem que o poder está próximo, não conseguem disfarçar o nervosismo interno e inicia-se quase inevitavelmente a luta de posicionamentos internos. Procura-se, no fundo, estar no sítio certo para que, quando o poder cair, se possa lá estar para o apanhar. O que agora se passa com António Costa e todo o vasto movimento interno que o apoia enquadra-se nisso mesmo. Se até agora, um conjunto amplo de personalidades do PS se mantinha mais ou menos recatado, apesar da pouca simpatia por Seguro, com a percepção de que o fim do presente Executivo pode estar próximo, a atitude mudou radicalmente.
E apesar desta investida poder ser considerada um pouco desleal, a verdade é que António Costa tem razões para estar otimista. Seguro está muito longe de ser o líder carismático que o seu partido procura. Como solução surgida imediatamente após a saída de Sócrates, esperava-se que atravessasse o deserto e conseguisse conduzir o partido nesta fase. Não mais do que isso. Mesmo junto de muitos dos rostos que o apoiaram numa primeira fase, Seguro era visto como um líder para queimar. Pelo contrário, António Costa é encarado por inúmeros setores como o grande trunfo que o PS jogará no momento certo. Como a grande reserva que o partido mantém cuidadosamente na forma até que surjam expetativas claras de mudança. Esse momento chegou. E surgiu muito mais depressa do que se poderia imaginar.
Neste contexto, acho difícil o PS conseguir encontrar um candidato a primeiro-ministro tão forte quanto António Costa. O seu percurso, os seus posicionamentos e os setores que consegue mobilizar tornam-no no líder com o capital eleitoral que o PS procura neste momento. Julgo existirem poucas dúvidas a este respeito. E o perfil de António Costa é bom até para conseguir fazer pontes à esquerda do PS. As sensibilidades que conseguiu reunir à sua volta na Câmara de Lisboa e o capital de simpatia que consegue obter no eleitorado socialista que se posiciona mais à esquerda são mais valias suas difíceis de menosprezar.
Curiosamente, o episódio da semana passada conseguiu beslicar fortemente a popularidade de Costa em alguns setores. Até na comunicação social, nos comentadores da praça que lhe são mais favoráveis, se sentiu tal incómodo. O país ficou a conhecer um presidente da Càmara de Lisboa hesitante, caraterística que lhe é apontada noutros domínios também. E sobretudo numa altura onde se pede determinação, coragem para os embates em todas as frentes, Costa saiu manifestamente mal da fotografia. A memória do povo (ou deverei dizer da comunicação social) é curta, é um facto. E se Costa avançar a muito curto prazo, como tudo leva a crer que aconteça, este episódio cairá rapidamente nos domínios da irrelevância. De qualquer modo, convém que não pregue muitas partidas destas. De inSeguros está o país farto.
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