FOLHA DE SP - 24/11
RIO DE JANEIRO - Escritores tendem a se misturar com a multidão. Ao contrário de jogadores de futebol, estrelas de novela e grã-finos de "Caras", nós, os intelectuais, podemos saracotear à vontade pelas ruas sem despertar comoções. No máximo, alguém nos dirige um sorriso ou, em casos de extrovertidos extremos, nos aperta a mão.
Assim, não admira que os escritores sejam carentes e aproveitem cada oportunidade para aparecer. Donde aceitam desde paraninfar uma turma de escolares no Guaporé até fazer uma palestra na magnífica Fliporto, de onde, por sinal, acabo de voltar (da Fliporto, não do Guaporé). Em todas, a noite termina com o escritor atrás de uma mesa e com uma caneta cheia de tinta para autografar seus livros.
E, então, não importa quanto tempo ele passe à mesa, dá-se um milagre. Ao relatar depois quantos livros autografou, surge sempre um número mágico: "Por volta de 400".
Os profissionais sabem que, para autografar 400 livros de uma sentada, exige-se pelo menos 400 minutos -um minuto por livro. É o tempo que se leva para receber o leitor à mesa, levantar-se, trocar um abraço, agradecer um elogio, sentar de novo, abrir o livro na página de autógrafos (rezando para que o nome do leitor conste de um papelucho e nos poupe do vexame do esquecimento), produzir o dito autógrafo, devolver o livro ao leitor, agradecer de novo, levantar-se para o abraço final e só então sentar-se para receber o leitor seguinte. Isso quando o leitor não vem em dupla, com o que o tempo é em dobro.
Bem, 400 minutos são seis horas e 40 minutos. Não conheço escritor que tenha ficado tanto tempo sentado, autografando sem parar nem para ir ao banheiro, e apenas pelos clássicos 400 livros. Mas já ouvi falar de gente que, em menos de três horas, autografou 2.000 livros. Sem tirar e, com toda certeza, nem pôr.