Fotos Gianni Dagli Orti/Corbis/Latin Stock e Paul Grover Telegraph UK/Zuma Press |
Reformistas |
A história da Igreja da Inglaterra pode ser sintetizada em dois momentos de ruptura. O primeiro foi o seu estabelecimento como entidade independente, no século XVI. O segundo, a reforma que permitiu a ordenação de mulheres, em 1992. Desde essa última mudança, reina a cizânia entre os 80 milhões de fiéis. A nomeação, em 2003, de um bispo gay pela Igreja Episcopal, o braço americano da confissão, foi a gota-d’água para os tradicionalistas. Muitos deles foram, sem alarde, "nadar no Rio Tibre", como os anglicanos desdenhosamente chamam a conversão ao catolicismo. A maioria, contudo, hesitava em dar esse passo por medo de perder sua liturgia e tradição. Na última terça-feira, Bento XVI ofereceu uma solução para essas dúvidas. Os anglicanos podem se converter sem que seja preciso sacrificar suas tradições. Até padres casados serão tolerados, com a ressalva de que não poderão ser bispos.
A exceção oferecida em decreto papal é similar à concedida às igrejas católicas orientais. A hierarquia re-conhece a autoridade do papa, mas segue seus próprios ritos. O arcebispo de Cantuária, Rowan Williams, chefe da Igreja da Inglaterra, declarou-se chocado com a oferta da Santa Sé. Mas, como líder da ala liberal da Igreja, ele é um dos responsáveis pelo cisma. O racha atual é tão profundo que foram nomeados dois bispos cuja única função é mediar conflitos entre liberais e tradicionalistas. Antes de se bandearem para Roma, os anglicanos têm vários aspectos a considerar. Dinheiro é um deles. O salário de um clérigo anglicano é o triplo do de um padre católico. Outra dúvida é o que a conversão significa para a identidade inglesa.
Christophe Simon/AFP |
De braços abertos |
Na Inglaterra, a oposição ao papa é uma questão de estado. Os membros da família real não podem sequer se casar com católicos sem perder o direito ao trono. Tudo isso tem raízes profundas. O rompimento com Roma ocorreu no reinado de Henrique VIII, depois que o papa Clemente VII se recusou a anular seu casamento com Catarina de Aragão. Após rejeitar a autoridade papal, o rei pôde se casar com seu grande amor, Ana Bolena, que mais tarde mandaria decapitar. No princípio as mudanças foram pequenas, pois Henrique VIII pretendia que a Igreja da Inglaterra continuasse católica, ainda que separada de Roma. Tempos depois, a igreja aderiu à Reforma Protestante e o país passou por períodos sangrentos, com perseguições religiosas, até que o predomínio protestante ficasse bem assentado. O retorno dos anglicanos ao seio da Igreja Católica tem o sabor de uma vitória tardia sobre a Reforma Protestante.