O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, provavelmente sabe o que diz quando acusa a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o órgão mais importante de sua Pasta, de prestar serviço de "baixa qualidade" e ser "corrupta". Na quarta-feira, durante uma reunião com representantes indígenas que se opõem à criação de um secretaria especial para cuidar da saúde dos seus povos, em lugar da Funasa, o ministro foi absolutamente explícito: "As denúncias de escândalos, corrupção, desvio de dinheiro estão todo o dia na imprensa. A situação é muito grave. Não podemos deixar a situação do jeito que está. Temos de mudar."
É de pasmar. Se é isso que Temporão acha que se passa na fundação que integra o seu Ministério, por que se comporta como se não tivesse a incumbência de sanear a instituição? E, se tentou limpá-la e fracassou, porque mais forte do que o ministro seria o aparato peemedebista que a enfeudou, de Brasília aos grotões, não deveria ter ele entregue o cargo ao presidente Lula? O titular da Funasa, Danilo Forte, apadrinhado do notório senador alagoano Renan Calheiros e há 20 meses no posto, sejam quais forem as irregularidades ocorridas na sua gestão, deu ao ministro o merecido troco. Se ele está descontente com o seu desempenho, que o demita, desafiou, lembrando que todos os seus atos foram feitos com o conhecimento e a concordância de Temporão.
Mas o ministro que sabe o que diz demonstra que não sabe o que faz.
Não bastasse disparar uma denúncia desse calibre, como se fosse um jornalista ou um procurador - e não o ministro a quem o órgão denunciado responde -, Temporão não se pejou de dar o dito pelo não dito. A corrupção a que se referira, recuou, era coisa de gestões passadas; a baixa qualidade dos serviços, uma questão específica que deveria ser tratada internamente; e o atual presidente da Funasa "tem feito grande esforço".
O PMDB quer outro correligionário no lugar de Temporão - indicado pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, a pedido do presidente Lula, num faz-de-conta de um primarismo atroz. O partido, esbraveja agora o seu líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves, "não aceita nenhuma acusação, por ser irresponsável e infundada, à gestão de Danilo Forte, que tem sido exemplar". E, numa involuntária admissão do contubérnio entre a Fundação e o peemedebismo, elaborou: "A Funasa pode não produzir obras grandiosas, mas tem a capilaridade do PMDB pelo interior, e suas pequenas obras são essenciais às pequenas cidades e comunidades." (O antecessor de Forte, Paulo Lustosa, outro protegido de Renan Calheiros, já havia comparado a Funasa a "uma máquina de fazer votos".) O orçamento do órgão para este ano é da ordem de R$ 2,4 bilhões, dos quais mais de R$ 2,1 bilhões para obras de saneamento no setor de engenharia de saúde pública.
Também o PT quer o afastamento de Temporão, por achar muito pouco para o seu apetite a sua idéia de criar uma secretaria de Atenção Primária e Promoção à Saúde (como se Atenção Primária e Promoção à Saúde não fosse a função básica do Ministério), a ser entregue à companheirada, e, principalmente, para tornar a se apossar da Pasta (o petista Humberto Costa precedeu Temporão no cargo). Mas a saída do ministro é desejável não porque favoreça um ou outro partido. Mas porque nestes dois anos à frente da Pasta ele se revelou um blefe. Veio com a fama de estar entre os melhores do ramo, endossada por figuras aparentemente insuspeitas da área de saúde pública no Rio de Janeiro. Ele só não seria versado em afagar os políticos. A bancada peemedebista na Câmara se queixa de que não recebe os parlamentares nem libera recursos para as emendas ao Orçamento. Na realidade, ele tampouco ofereceu alguma evidência de estar à altura da função, na qual se distingue antes pelo (muito) que fala do que pelo (pouco) que faz.
De todo modo, com ele ou outro ministro, o problema Funasa deve continuar do mesmo tamanho, atestado pela freqüência com que aparece nas investigações da Polícia Federal, Controladoria-Geral e Tribunal de Contas da União. No ano passado, só uma auditoria revelou um rombo de R$ 75 milhões. A exposição do órgão a práticas ilícitas aumentou quando, pouco depois da primeira posse, o presidente Lula passou uma borracha sobre a decisão do antecessor Fernando Henrique de reservar os seus cargos de direção a servidores de carreira.
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