O Estado de S. Paulo - 03/05/2011
A decisão do Diretório Nacional do PT de aceitar a refiliação de Delúbio Soares, expulso em 2005 por seu envolvimento no escândalo do mensalão, expõe claramente dois procedimentos que ajudam a explicar a escalada eleitoral do partido: primeiro, o compadrio que exime de qualquer culpa companheiro que tenha praticado ilícitos em benefício da companheirada; segundo, a prática do rolo compressor que passa por cima de tudo o que contrarie os interesses comuns da turma, apelando ao recurso de negar evidências por meio da bem orquestrada e incansável repetição da "verdade" que melhor lhe convém. Assim sempre procedeu o capo Lula da Silva. Comportamento que se repetiu agora: o mensalão, garante o chefão, nunca existiu, foi uma tentativa de golpe "das elites". E um dos mais fiéis escudeiros do ex-presidente, o ministro Gilberto Carvalho, teve o caradurismo de declarar em São Paulo, quando representava Dilma Rousseff no 1.º de maio, que, se Delúbio "voltar a errar, o partido, da mesma forma que o recebeu de volta, vai ter que puni-lo de novo". Ou seja, Delúbio precisa entender que, no PT, não se pune o crime praticado a serviço do partido. O que se pune é o erro de deixar-se flagrar na prática do crime.
A reintegração de Delúbio pelo PT é, no mínimo, imprudente e precipitada, uma vez que o ex-tesoureiro é um dos 39 réus do processo que tramita no STF e deverá ser finalmente julgado, sete anos depois dos fatos que o geraram, em 2012. Mas é uma decisão coerente com a anunciada disposição de Lula de provar que o mensalão, como esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo, jamais existiu. No máximo, foi prática de caixa 2, como se isso não constituísse crime. Mas não é exatamente o que o próprio Lula pensava em 2005, quando se queixou de ter sido "traído" - sem mencionar os nomes dos traidores - e afirmou que o PT deveria "pedir desculpas" ao País. Já os próprios deputados, na conclusão da CPI do Mensalão, recomendaram a cassação dos mandatos de 18 colegas, dos quais apenas 3 acabaram sendo punidos pelo plenário da Câmara: Roberto Jefferson, do PTB, que denunciou o esquema, admitindo que seu partido dele se tinha beneficiado; José Dirceu, do PT, apontado como chefe da quadrilha; e Pedro Correa, do PP. Alguns meses depois, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou sólida denúncia, acolhida pelo STF, contra cerca de 40 indiciados no mensalão, inclusive Delúbio Soares, que permanecem à espera de julgamento.
De todos os dirigentes do PT envolvidos no escândalo do mensalão e seus desdobramentos, apenas Delúbio Soares foi punido pelo partido, com a expulsão. Foi uma espécie de satisfação pública que os petistas se viram obrigados a dar diante das evidências que incriminavam a legenda. E Delúbio, o boi de piranha, comportou-se com fidelidade canina a seus chefes. Admitiu ter manipulado, por iniciativa própria, o que chamou eufemisticamente de "recursos não contabilizados" destinados a financiar campanhas eleitorais do PT, mas negou veementemente o pagamento de propina a parlamentares e também que o esquema era comandado pelo então ministro José Dirceu. Em 2009, depois de quatro anos no ostracismo, Delúbio fez uma tentativa de ser readmitido nos quadros do PT. Mas foi dissuadido por Lula, que temia a repercussão na campanha presidencial de 2010. Agora, o próprio ex-presidente defendeu a reabilitação do companheiro, como recompensa por serviços tão fielmente prestados.
Desde a campanha eleitoral de 2003 Lula tem liderado o PT em tortuoso processo de transformação que passou pela cuidadosa elaboração de um código de valores sob medida para atender a suas conveniências eleitorais. Nas áreas política, social e econômica, teses antes ferozmente combatidas passaram a ser convictamente praticadas e, mais do que isso, anunciadas como suas. Até aqui, tem funcionado. Mas o episódio Delúbio tem uma dimensão emblemática que pode significar um tiro dado por Lula no próprio pé. Afinal, o ex-tesoureiro do PT é corrupto confesso. Diga-me com quem andas...