O ponto real - MIRIAM LEITÃO
Política

O ponto real - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO 

O Banco Central apresentou uma avaliação da economia que difere em vários pontos do que disse na quarta-feira a presidente Dilma. Para o BC, a volatilidade do câmbio e sua depreciação são uma nova fonte de pressão inflacionária, os gastos públicos têm se ampliado, a inflação está alta e disseminada. Esse realismo faz bem à economia.

Em um governo de avaliações tão dissociadas da realidade, os movimentos do Banco Central podem ser âncora para as expectativas de inflação. A ata tem contradições, mas pelo menos o BC vem demonstrando por atos e palavras que está disposto a continuar brigando para levar a inflação para a meta, ainda que, admita, isso não ocorrerá este ano ou no próximo.

No parágrafo 22 da ata da última reunião, que elevou a taxa de juros para 8,5%, o Banco Central diz que "iniciativas recentes" apontam "o balanço do setor público em posição expansionista". Ou seja, ao contrário do que o governo garante, a tendência tem sido de ampliação de gastos.

A semana que vem começará com o governo anunciando um novo corte de despesas. Recomenda-se ao triunvirato que está debruçado sobre o pacote - Casa Civil, Planejamento e Fazenda - que evite corte de vento. Todos perceberão que não é para valer. Não é recomendável também que o governo anuncie corte de um lado e, de outro, aprove propostas que ampliem gastos. A ideia do Ministério do Trabalho de corrigir o seguro-desemprego com a mesma fórmula de indexação do salário-mínimo - pelo crescimento do PIB mais a inflação - ampliará o gasto. O Brasil está com um mercado de trabalho forte; esse benefício exclui quem está fora do emprego formal. Não é possível cortar gastos numa sala e ampliá-los em outra. Ninguém vai acreditar na austeridade, nem mesmo o Banco Central.

O dado que sairá hoje deve ser bom. O IPCA-15 indicará uma inflação de julho perto de zero. Isso ajuda as expectativas, mas não elimina o problema. No item 26, o BC diz "o Copom pondera que o nível elevado de inflação e a dispersão de aumentos de preços - a exemplo dos recentemente observados - contribuem para que a inflação mostre resistência". Admite que houve uma piora das expectativas dos agentes econômicos sobre os preços.

Até recentemente, o Banco Central achava que a alta do dólar não teria maiores impactos na inflação. Agora reconhece que a volatilidade e a depreciação "ensejam uma natural e esperada correção de preços relativos". Já há informações de que os preços industriais começam a ser reajustados por causa da alta do dólar. Mesmo numa economia mais fria, como está a brasileira, é bom que o BC esteja atento ao risco de repasse do câmbio para alguns preços.

O maior impacto do dólar alto é sobre as contas da Petrobras, que voltou a importar gasolina a um preço mais alto do que vende no mercado interno. No entanto, o BC acha que não haverá novos reajustes de combustíveis. A propósito, a inflação de preços livres está em 8,28% (estava em 5,34% nos 12 meses até junho do ano passado) e a de preços administrados está em 1,77% (estava em 3,77% no ano passado na mesma época). O que isso mostra é uma inflação num patamar bem mais alto e que tem sido contida apenas pelos preços sobre os quais o governo tem controle. Essa mágica tem vida curta.

O Banco Central voltou a lembrar - como já o fez em outras atas - que inflação alta produz distorção e deprime os investimentos. "Essas distorções se manifestam no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos." Um Banco Central sozinho não faz verão, mas seu realismo mostra que pelo menos uma parte do governo sabe onde mora o perigo.

Firmas e famílias, como diz o Banco Central, precisam voltar a ter confiança na recuperação econômica. É isso que destrava investimento e consumo e é isso que incentiva o planejamento. Mas para ter confiança é preciso derrubar a inflação. Portanto, não é com discursos, críticas a analistas, afirmações peremptórias de que tudo vai muito bem que se vai melhorar o ambiente econômico. O Banco Central perde credibilidade quando faz concessões nos seus comunicados para afinar o discurso com outras áreas do governo e desempenha melhor seu papel quando, com realismo, registra os riscos que pairam sobre a economia brasileira.



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