Um barulho exagerado causou o texto "O papel da oposição", do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele toca em um tema sensível
- o lento caminhar das oposições para a irrelevância. O apelo de
Fernando Henrique, entre irado e aflito, é uma tentativa de ampliar os
horizontes de seu partido, o PSDB, para uma luta política extremamente
difícil. É um chamado oportuno para uma legenda que já perdeu três
vezes a corrida presidencial e um desafio lançado à autossuficiente
intelectualidade tucana. Mas as respostas esboçadas nem sempre estão à
altura das dificuldades que se propõem superar, o diagnóstico exclui
em parte uma autocrítica relevante e não escapa por vezes do
maniqueísmo.
A frase que mais atenção e polêmica causou - a que prega a necessidade
de evitar a disputa com o PT, já perdida, nos "movimentos sociais" ou
"povão" - é o centro do reexame de rumos proposto por Fernando
Henrique. De repente, as dificuldades para as oposições tornaram-se
enormes porque houve no país, segundo o autor, o "triunfo do
capitalismo" e a "adesão progressiva - no começo envergonhada e por
fim mais deslavada - do petismo lulista à nova ordem e a suas
ideologias". Um terceiro ingrediente foi o "efeito dissolvente que o
carisma de Lula produziu nas instituições".
FHC estende seu diagnóstico ao Congresso, que perdeu sua "força
político-transformadora" por dois motivos. Um, a transformação dos
partidos em "clubes congressuais". Outro, o fato de que "muitos
parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato
de lentilhas". Os dois fatores são relevantes, mas não novos. Desde a
redemocratização, se não antes, é assim. O ex-presidente teve como
aliado preferencial de seu governo o então PFL, um rebento da ditadura
que só sobreviveria agarrado ao poder e que não se contentava só com
um prato de lentilhas. Seu herdeiro, o DEM, definha.
O PSDB foi batido pelo único partido de massas no país. Nunca teve o
seu forte na mobilização popular. Um passo teórico lógico, dado por
Fernando Henrique, foi buscar novos atores que não as "massas carentes
e pouco informadas". Entre os movimentos sociais cooptados pelo PT
estariam as centrais sindicais e os movimentos organizados da
sociedade civil, atraídos por "benesses e recursos". Essa visão
reducionista evita aprofundar as razões mais profundas de tão
generalizada cooptação. Pode ter havido a concordância ideológica com
o governo petista, o apoio a iniciativas petistas consideradas
relevantes, interesses materiais e até a provável repulsa a oito anos
de governo do PSDB. O PT estendeu e aprofundou os programas sociais
esboçados pelo governo FHC e, sem dúvida, ampliou seu eleitorado tendo
como garantia a maior e inestimável herança tucana - o fim da era
inflacionária.
A quem falar então, se o atual partido no poder mudou e assumiu as
bandeiras tucanas que condenava? Para FHC, "existe toda uma gama de
classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo
e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas
à tecnologia da informação e ao entretenimento, aos novos serviços
espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado
sem muita precisão de "classe C" ou de nova classe média".
O ex-presidente foi feliz em definir, assim, aquele que já é o
eleitorado tucano - e não é pouca gente. José Serra obteve 43,7
milhões de votos e o PSDB conquistou três dos mais ricos Estados do
país: São Paulo, Minas e Paraná. Resta a nova classe C. Mas os meios
sugeridos para atingir esse público parecem acanhados diante da
magnitude da tarefa política visada. FHC propõe que as oposições caiam
na internet e nas redes sociais, se organizem nos "meios eletrônicos",
"voltem às salas de aulas", procurem "organizações de bairro, um
sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes
cidades, etc". A surpresa é que isso não tenha sido feito até agora. A
mensagem que o PSDB levará, além de suas conhecidas posições liberais,
inclui a "clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com
causas universais, como os direitos humanos e a luta contra a
opressão, mesmo quando esta vem mascarada de progressismo, apoiada em
políticas de distribuição de rendas e de identificação das massas com
o Chefe". É unilateral demais - fim da opressão e respeito aos
direitos humanos foram bandeiras de luta contra a ditadura. Aplicá-las
a governos petistas não é plausível.
Fernando Henrique instigou a imprescindível busca de novos rumos pela
oposição. Pelo visto, ela apenas começa - será uma longa caminhada.