O real e o simbólico Miriam Leitão
Política

O real e o simbólico Miriam Leitão



O GLOBO

A crise continuará, nos próximos meses, fazendo suas vítimas, e os ecos da reunião de Londres parecerão distantes. As bolsas podem logo esquecer a alegria desta semana. Mas a reunião do G-20 foi um desses raros momentos de sucesso no conteúdo e no simbólico. Tudo pode se perder na execução, mas os líderes mundiais marcaram o terreno para continuar a caminhada.

O FMI tem que estrear sua nova estrutura de poder em janeiro de 2011. Parece um longo tempo, mas aquele mamute já está mudando, de outra forma, quando cria modalidades de empréstimos sem aqueles estreitos monitoramentos, onde mais se procurava o número não cumprido do que a essência do avanço de cada país.

Mudar a regulamentação financeira dos países e do mundo será um enorme trabalho, em que se caminhará numa fronteira tênue: o sistema bancário tem que ter transparência, tem que prestar contas, precisa de limites, mas, ao mesmo tempo, ele não pode ser tão amarrado a ponto de não conseguir fazer circular o dinheiro. Há diferenças enormes entre os países. Nos Estados Unidos, a fiscalização sempre foi descentralizada, o banco central é balcanizado, com várias agências fazendo o trabalho que em outros países é feito por um único órgão, há milhares de bancos regionais, locais. Os países precisam se organizar sob um guarda-chuva de novos princípios, mas cada um fará sua própria reorganização. Um forte ato simbólico: o vetusto Fundo Monetário venderá parte do seu ouro, vejam só, para ajudar os países pobres.

O tema do combate aos paraísos fiscais é fascinante. É fundamental que os países tenham tomado esse caminho, mas ele é difícil ser trilhado. Como informou o jornalista Assis Moreira, do "Valor Econômico", houve reação da China, que não queria abrir mão dos seus paraísos, Hong Kong e Macau. Dobrada por intervenção de Barack Obama, a resistência chinesa à troca de informações fiscais pode voltar. Mas, por enquanto, quem comemora vitória é a França, que conseguiu o compromisso de se fazer uma lista dos que não quiserem aderir ao combate aos paraísos fiscais. A propósito: no Brasil, há uma tensão entre Receita Federal e Banco Central sobre até que ponto o BC pode compartilhar informações que tem, sujeitas a sigilo bancário, com os fiscais dos impostos.

Mas o que o primeiro-ministro Gordon Brown disse é que "acabou a era do segredo bancário". Como será que dentro dos países vai se organizar esse fim de era? Cada país passará a discutir isso, inclusive o Brasil. A grande vantagem para nós é ter uma arma a mais para enfrentar o flagelo da corrupção crescente e que usa os paraísos fiscais como o perfeito biombo para esconder o fruto do crime.

Foi uma vitória para Obama - e todos os que se preocupam com o futuro do planeta - a inclusão, no acordo, do princípio de que a recuperação econômica tem que ser verde. Para tirar isso do papel é preciso exigir contrapartidas ambientais aos setores que receberem ajuda governamental de qualquer espécie. Aqui, lá, em todo lugar, porque o planeta é um só. O presidente americano não está na questão ambiental apenas para surfar numa onda simpática.

Ele tem sido de uma consistência absoluta: no que faz, fala, negocia, escreve e escolhe, Obama tem incluído a questão ambiental e climática. O ar continua poluído, os gases estufa continuam sendo emitidos para a nossa tênue atmosfera, mas já se pode respirar um pouco melhor com a esperança de que o mundo seja racional, e que essa racionalidade apareça na grande reunião de Copenhague do fim do ano, sobre mudança climática.

O poder continuará concentrado no mundo, haverá países mais e menos influentes sempre.

Nada foi equalizado. Mas, hoje, o Brasil é mais relevante do que foi no passado e sabe disso. A China é candidata a potência mundial, a despeito dos vários desequilíbrios que tem. A África do Sul é a economia mais forte de um continente sempre esquecido.

O Brasil, particularmente, tem de tomar cuidado com a ordem de relaxamento fiscal e monetário. Esta semana houve uma péssima notícia por aqui: os gastos públicos aumentaram num momento de queda de arrecadação, mas não são gastos feitos para que amanhã haja mais crescimento e, portanto, mais arrecadação. O que mais subiu foi o gasto com pessoal, os gastos com o custeio da máquina, e não os investimentos. Um país já tão escaldado de crises passadas sabe o que o gasto descontrolado pode causar. Numa entrevista que fiz na Globonews com os economistas Yoshiaki Nakano, da FGV São Paulo, e Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, eles alertaram para o risco de que, ao fim da tempestade, o Brasil entre na conhecida crise fiscal que já teve em outros momentos. Tudo o que não pode nos acontecer, alertou Nakano, é, depois de tudo, termos uma crise de desconfiança em nossa capacidade de pagar a dívida.

A foto foi feita, o Brasil está bem nela, o grupo parece unido e as mensagens foram fortes e objetivas. Não se podia esperar mais. Os próximos dias e meses serão do lento e doloroso desenrolar da crise que destruirá empregos, empresas e crescimento. Mas, por algum tempo, será bom ter a sensação que o desgovernado avião da Terra tem comandantes e eles são racionais.



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