Desde que ascendeu ao Planalto, esta foi a primeira vez que Lula
resolveu abrilhantar os shows do sindicalismo cujos resultados, por
sinal, podem ser medidos pelo número de companheiros premiados com
empregos na máquina federal. Mas este não é um ano igual aos outros.
Em 2010, a prioridade confessa do presidente, "a coisa mais importante
do meu governo", como não se pejou de dizer no congresso do PT, é
fazer da ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff a sua sucessora.
Para tanto, ele irá a todos os palanques que estiverem disponíveis e
aos muitos mais que continuarão a ser erguidos somente com essa
finalidade. Trata-se, invariavelmente, de uma operação em dois tempos
encadeados.
Um é o da autolouvação, encarnada no mote do "nunca antes na história
deste país". O exemplo da hora é o de sua fala no espetáculo da Força
Sindical, o primeiro dos quatro a que compareceu no sábado. "Eu duvido
que em alguma parte do mundo um presidente depois de sete anos teve
coragem de ir a um ato encarar os trabalhadores", vangloriou-se. O
segundo tempo é o da pregação da continuidade, agora rebatizada de
"sequenciamento", como disse no evento da CUT, logo se voltando para a
candidata, num tom que escancarou a relação hierárquica entre criador
e criatura: "Dilma, você ouviu o que eu disse?"
Ele se dá a requintes de atrevimento quando desmoraliza em sequência a
legislação eleitoral, fazendo campanha antecipada com os meios ao
alcance do seu cargo, pelo que já foi multado duas vezes ? outro
ineditismo de Lula. "Quero que quem venha depois, e vocês sabem quem
eu quero, saiba que vai ter de fazer mais e melhor", discursou na
festa da Força, como se a omissão do nome não servisse de deixa para o
coro entrar com o hit da temporada, "olê, olê, olá, Dilmaaa, Dilmaaa".
Em outro momento, lembra que "a legislação não me permite falar de
candidatos" ou que "só posso falar de candidato depois de julho". É
uma fraude rudimentar. Lula age como o jogador que passa uma rasteira
no adversário e de imediato ergue as mãos em sinal de inocência.
Já no pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que antecedeu
as comemorações do Dia do Trabalho, ele saiu-se com isso: "Algo me diz
que este modelo de governo está apenas começando. Algo me diz,
fortemente, em meu coração, que este modelo vai prosperar. Sabe por
quê? Porque este modelo pertence ao povo brasileiro, que saberá
defendê-lo e aprofundá-lo, com trabalho honesto e decisões corretas."
O problema de Lula é que a sua escolhida não tem se mostrado capaz de
induzir parcelas crescentes do eleitorado a tomar as tais "decisões
corretas".
A dependência do padrinho-presidente só aumenta a propensão dele para
o vale-tudo.
A citação do nome é o de menos. O que a lei visa a coibir, em defesa
do princípio da oportunidade de igualdades entre os candidatos, é a
subordinação das instituições políticas aos interesses eleitorais dos
seus titulares e partidos. Isso inclui o chamado capital simbólico dos
ocupantes de funções executivas: não é por deter o recorde brasileiro
de popularidade política que Lula desfrutaria de uma atenuante para os
seus delitos; ao contrário, a exploração eleitoral do seu prestígio
agrava a transgressão. A oposição pode ficar rouca de tanto protestar.
Mas ou o Tribunal Superior Eleitoral aplica ao presidente sanções
proporcionais ao seu desdém pelas regras do jogo ou contribui para o
escárnio.