O Supremo e o bolivarianismo
O ministro Gilmar Mendes ergueu um fantasma para mutilar o poder de uma presidente que acaba de ser reeleita
Com sua retórica apocalíptica, o ministro Gilmar Mendes disse ao repórter Valdo Cruz que “é importante que (o Supremo Tribunal Federal) não se converta numa corte bolivariana”. “Isso tem de ser avisado e denunciado". A advertência está relacionada com a eleição de Dilma Rousseff e sua atribuição constitucional de nomear cinco novos ministros para o Supremo Tribunal Federal durante seu mandato. Pelo andar da carruagem, depois de julho de 2016, quando o ministro Marco Aurélio de Mello completar 70 anos, todos os onze juízes do Supremo terão sido nomeados por presidentes petistas.
Para que faça sentido o risco do tribunal “bolivariano” temido por Gilmar Mendes seria necessário admitir que as nomeações de Lula e da doutora Dilma tenham seguido uma linha partidária. Nesse caso, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski teriam algo em comum. Noutra dimensão, haveria semelhanças entre o inescrutável Teori Zavascki e Dias Toffoli. Em doze anos, o comissariado preencheu as vagas do Supremo na marca da média da moral vigente, não foi melhor nem pior que seus antecessores.
Não se deve esquecer que se hoje o Supremo tem sete ministros indicados por presidentes petistas (mais uma vaga a ser preenchida pela doutora), isso se deve ao fato de que dois juízes nomeados durante o tucanato abandonaram aquele local de trabalho. Nelson Jobim saiu em 2006, dez anos antes da aposentadoria compulsória, e Ellen Gracie foi-se embora em 2011, doze anos antes.
A tentativa de mutilação dos poderes constitucionais da Presidência está associada à ressurreição utilitária do projeto de emenda constitucional que estende para 75 anos a idade limite dos ministros. Assim, se Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio quisessem permanecer no tribunal, bloqueariam três indicações de Dilma. A extensão da idade para a compulsória pode ser uma boa ideia. Empurrá-la agitando o fantasma bolivariano, além de contaminá-la, prejulga a conduta de outro poder da República. Coisa normal num palanque, não num tribunal.
Para ficar na inspiração venezuelana, sabe-se bem o que é chavismo, mas em 2002 sua oposição meteu-se num ridículo golpe militar, dissolveu o Congresso e o Judiciário, perdeu a parada e fugiu. O Brasil não é uma Venezuela, não tem nem precisa de chavismo, muito menos desse tipo de oposição.
Já houve tempo em que o Executivo desconfiava do Judiciário. Para mudar a cabeça do Supremo, seu número de cadeiras foi elevado para dezesseis. Não deu certo e acabou-se fazendo um expurgo na Corte, com duas cassações e duas renúncias. Coisas de uma ditadura que tinha horror a eleições diretas.
Como há fortes argumentos a favor da extensão da compulsória, tudo poderia ser resolvido sem a mutilação dos poderes presidenciais. Basta que a emenda constitucional estabeleça que a regra só valerá para os juízes nomeados depois da sua aprovação. Ou seja, Celso de Mello, Gilmar, Marco Aurélio e os demais ministros que lá estão saem do tribunal quando completarem 70 anos.
Faltaram 3,5 milhões de votos para desempregar a doutora Dilma. Associar uma derrota eleitoral ao fim do mundo só serve para atrapalhar a vida de quem constrói infernos particulares.
Elio Gaspari é jornalista
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