Política
O tempo não pára Miriam Leitão
A semana do Flash Gordon termina com mais uma coleção de eventos do tipo “nunca antes na história deste planeta” e com a França encomendando outra revolução. Nunca tantos governos colocaram tanto dinheiro dos contribuintes em tantos bancos. O tempo parece se acelerar pelo volume de fatos que cabem numa só semana. Mas a crise, pelo menos, acabou? Não ainda.
Foi a semana em que os Estados Unidos voltaram a seguir as ordens de Londres, pela primeira vez desde que, em 1776, 13 colônias...
bom, essa história você já sabe. O novo é que o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, pegou o fio que o mantinha ao cargo e, com ele, costurou uma rede para a Europa sair do pânico absoluto e da política do “cada um por si”, que havia ferido a própria Inglaterra.
Ela havia visto correntistas fugindo para os bancos irlandeses, quando a Irlanda garantiu os depósitos; e dinheiro inglês preso na Islândia.
A Ação Coordenada que o presidente George Bush tentou em Washington virou realidade no último domingo na Europa. Gordon “The Flash” Brown tem a enorme vantagem da dianteira. Ele está tentando organizar o mundo para evitar as crises desde a da Ásia. Naquela época, Brown já havia pedido ações para prevenir crises.
Os outros falam política, ele junta política e propostas econômicas objetivas.
Pobre Henry Paulson, só lhe restou seguir a metrópole.
E foi o que ele fez na própria segunda-feira, quando chamou ao Tesouro americano os banqueiros dos grandes bancos. O sorriso aberto do presidente do Morgan Stanley, John Mack, na saída, era um retrato dos tempos. Ele ficou sabendo que pode receber um cheque de US$ 10 bilhões por ter cometido as mesmas travessuras do finado Lehman Brothers.
Do lado dele, na saída do Tesouro, igualmente vibrante, Vikram Pandit, o presidente do Citibank, que tem direito a um cheque maior: US$ 25 bilhões.
Desde que começaram os prejuízos bancários, o Citi recebeu reforço de vários fundos soberanos, inclusive árabes, que compraram parte das suas ações.
Fica assim o contribuinte americano, na confusa situação de ver os dois candidatos à Presidência, o republicano John McCain e o democrata Barack Obama, duelarem sobre em quanto tempo se livram da dependência do petróleo árabe e, ao mesmo tempo, ver seu dinheiro garantir o investimento que os árabes fazem com os petrodólares. Ou, como diria Cazuza, “vivo da caridade de quem me detesta”.
O tempo não pára.
A França, nesta semana, mostrou que quer mais do que em 1789. Agora, além de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, quer bancos bons. Do tipo “baseados em valores” e que estejam “a serviço das empresas e dos cidadãos”, como definiu Nicolas Sarkozy.
Há vários problemas nesta “refundação do capitalismo” que o presidente francês pediu; ou no “novo Bretton Woods” pedido por Gordon Brown.
No velho Bretton Woods e no velho capitalismo, o Fundo Monetário Internacional sempre serviu para que os países ricos controlassem políticas econômicas desviantes nos países mais pobres. Por que o Fundo não conseguiu reprimir os superlativos desvios dos países ricos? Simples. Porque faltam fundos. O FMI recebe recursos dos Estados Unidos, por isso seu voto vale mais. Os recursos do FMI se medem em bilhões, a necessidade dos países ricos encrencados se mede em trilhões, o FMI só manda em países aos quais empresta dinheiro. Assim sendo, um novo Bretton Woods pode ver “o futuro repetir o passado, neste museu de grandes novidades”.
Há cinco fins de semana, ninguém vai à igreja no paralelo Norte-Norte. Houve o fim de semana de salvar os mamutes hipotecários Fannie Mae e Freddie Mac; o outro de discutir o destino do Lehman Brothers, do Merrill Lynch e da AIG; o outro do Pacote Paulson; outro do pacote no Congresso americano; e o último das reuniões dos Gs (G-7, G-15, G20) na qual não se chegou ao ponto.
Após tantos dias atormentados, a crise ainda não acabou. Nem mesmo o fim do pânico financeiro pode ser garantido. Outras frentes de crise podem se abrir, neste mundo em que os fios que ligam os países são tantos e o conhecimento sobre eles, tão restrito.
Há pilhas de papéis podres nos bancos dos países do Leste Europeu; ninguém aposta um derivativo em que os bancos chineses, depois de tantos anos de concessão de crédito com critérios aleatórios e tantos anos de crescimento acelerado, sejam sólidos, como garante o fiador do capitalismo chinês, o Partido Comunista.
Ainda há chão pela frente nesta maior crise desde os anos 30. Quando acabar a tempestade financeira, ficaremos a ver os navios e os escombros da velha ordem mundial. Nada sobrou da noção de risco das instituições financeiras.
O que houve nos últimos dias foi o mais vasto “ moral hazard” da história.
Agora, todos os bancos sabem que o Fed pode abrir mão da independência, Estados Unidos e Inglaterra podem estatizar, o impensável pode acontecer para garantir que os bancos cubram os prejuízos das extravagâncias que fizerem nas suas aventuras de caça a ativos tóxicos e rentáveis. Já se sabe que serão perdoados com dinheiro público, mas ainda não se sabe tudo o que fizeram. “Ainda estão rolando os dados.
Porque o tempo, o tempo não pára.” Hoje é sábado. Melhor cantar.
www.oglobo.com.br/miriamleitao
e-mail:
[email protected]COM LEONARDO ZANELLI
loading...
-
Crime Impune - Mírian Leitão
O Globo - 29/01/2009 O Tesouro americano, no governo Bush, beneficiou de forma espantosa acionistas, credores e...
-
Equilíbrio O Globo Editorial,
OPINIÃO Enquanto os efeitos da crise financeira mundial nos setores reais da economia ficam cada vez mais visíveis, amplia-se a discussão — que deverá ser longa — sobre o que fazer para evitar uma repetição do problema. O ponto central da questão...
-
A Difícil Estabilização Dos Mercados
SALVOS, MAS E AGORA? Diz-se que os economistas previram cinco das três últimas recessões. Espera-se que estejam exagerando também quanto às próximas André Petry, de...
-
De Olho Na Reforma Celso Ming
A rigor, desde 1944, quando conseguiram impor seu jogo na Conferência de Bretton Woods, os Estados Unidos não deixaram de liderar as regras do sistema financeiro global. Mas agora estão na retaguarda. Em 1998, o então presidente...
-
Míriam Leitão - Crise Sem Fim
Panorama Econômico O Globo 16/9/2008 A crise ameaça se espalhar para outros países. Os bancos japoneses são os que mais emprestaram para o Lehman, e os de menor porte emprestaram mais. Os chineses têm centenas...
Política