Marcelo Bortoloti
UM BANHO REVITALIZADOR A restauração inclui processos como a imersão das páginas em água |
A Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, guarda 2 milhões de livros. Mas é para um conjunto de pouco mais de 200 que as atenções estão voltadas neste momento. São volumes "à beira da morte", na linguagem usada pelos especialistas para definir aqueles tomos que caminham aceleradamente para a desintegração. Para salvá-los, a instituição está empreendendo um grande projeto de restauração, que devolverá às prateleiras pelo menos 57 dessas obras, algumas escritas há 500 anos. Armado de pincéis, luvas e resinas especiais, um corpo de 38 funcionários se dedica a ressuscitar peças raras. O trabalho, iniciado há cinco meses, acaba de ter sua primeira etapa concluída. Foram reconstituídos quinze livros. Os outros 42 deverão estar à disposição do público em abril de 2010.
Há algo de épico nessa restauração. Quase todos os volumes incluídos no projeto vieram da Real Biblioteca portuguesa, em Lisboa. Alguns sobreviveram ao incêndio provocado pelo terremoto de 1755. Logo depois, em 1808, foram transportados para o Brasil na atropelada mudança da corte. Na precipitação da fuga, parte deles ficou esquecida no porto de Lisboa e só foi levada para o Novo Mundo dois anos depois. O acervo mudou duas vezes de endereço até 1910, quando foi construído o imponente prédio da biblioteca, no centro do Rio. Entre as preciosidades guardadas ali está um delicioso O Bom Uso do Chá, do Café e do Chocolate para a Preservação e Cura de Doenças, de 1687, do médico particular de Luís XIV, Nicolas de Blegny. Ou a enciclopédia medieval Margarita philosophica, de 1515, na qual o Brasil aparece pela primeira vez no mapa do mundo.
Fotos Biblioteca Nacional e Oscar Cabral |
NOVO EM FOLHA O livro de Nicolas de Blegny sobre os usos terapêuticos do café e do chá, em edição de 1687, mostra os bons resultados das novas técnicas de restauração |
A restauração de um livro dura, em média, quatro meses. O processo inclui etapas surpreendentes para os leigos, como mergulhar as páginas em água filtrada. Em seguida, ocorre a reenfibragem, um segundo banho de imersão numa solução de água e polpa de celulose, que reconstitui as áreas danificadas das páginas. O futuro dos outros 140 livros que estão fora de circulação é incerto, seja por falta de verba ou tecnologia. Entre esses, a maior perda é uma edição de 1661 de A Cidade de Deus, de Santo Agostinho. Vários trechos foram cobertos com tinta durante o período da Inquisição. O método de censura se mostrou mais efetivo do que os próprios inquisidores poderiam supor: a tinta usada para impedir a leitura das páginas contém partículas metálicas, que provocam oxidação e corroem o papel. Não se encontrou uma forma de removê-la.