Passado o leilão de Belo Monte, vemos o refluxo causado pela "onda" de
voluntarismo e autoritarismo impressa ao processo para lhe dar
aparência de uma disputa entre privados, e a cada dia verificamos
quanta coisa foi desconsiderada e quantos ajustes foram feitos de
última hora e que terão de ser rearranjados para que a construção
desse empreendimento não venha a sofrer solução de continuidade.
Se o governo conseguir eleger seu candidato à Presidência da
República, seguramente o contribuinte e os acionistas da Eletrobrás
terão de pagar a conta que os consumidores não pagarão ? quer os
cativos ou os livres, ou mesmo os autoprodutores ?, sob a forma de
tributos. Se a oposição for a vencedora, começará a sua gestão no
setor elétrico com a difícil tarefa de dar uma solução que não venha a
ser gravosa para aqueles que nem energia elétrica consomem, mas pagam
tributos.
Tudo leva a crer que na última hora o consórcio com maior presença
privada percebeu que, por não ter obtido as benesses suficientes que o
levassem a uma taxa de retorno bancável, não poderia oferecer um lance
muito abaixo da tarifa-teto. Assim, o consórcio que foi montado de
forma intempestiva, a qualquer custo e liderado pela estatal que se
havia rebelado contra a perda de mando, definida pela reestruturação
do seu acionista majoritário, pôde oferecer uma proposta com um
retorno social, patriótico, e tarifa com componentes eleitorais. Com
isso, pôde ser confirmada a assertiva reverberada por alguns membros
do governo de que haveria um deságio de até 8%.
Chegou-se até a praticar uma inteligente manobra ? não proibida pelo
edital ? ao atribuir a duas empresas do consórcio vencedor a figura de
autoprodutores, para que pudessem, de acordo com o definido nas
condições do edital, destinar 20% da energia a ser produzida a um
preço maior que aquele oferecido no leilão. Porém, a condição de
autoprodutores seria de difícil comprovação, pois as referidas
empresas teriam de consumir mais de 900 MW médios.
O objetivo, passado o leilão, seria substituí-las por empresas ?
estas, sim, de fato autoprodutoras ? que aceitariam entrar no
consórcio mediante uma tarifa bem negociada, e os 10% restantes da
energia produzida seriam destinados ao mercado livre.
Entretanto, o governo não contava com o vazamento, após o leilão, dos
estudos feitos pelas estatais Furnas e Eletrosul que indicam de forma
indiscutível que nos termos propostos não haveria uma taxa de retorno
maior que 3% e que o volume de investimentos necessários para executar
a obra alcançaria R$ 28,5 bilhões, e não os R$ 19 bilhões indicados
pelo governo. Além disso, apontam outras sérias e previsíveis
interrogações quanto ao financiamento da obra e os custos ambientais.
De toda maneira, o que se pode afirmar é que à tarifa vencedora
deverão ser somados os custos alocados ao contribuinte pela concessão
das benesses ofertadas pelo governo, que, calculados, seriam da ordem
de R$ 22/MWh. Assim, os consumidores que também são contribuintes
estarão pagando pela energia a ser produzida R$ 100/MWh, e não o
alardeado valor definido pelo leilão. Além disso, a tarifa subsidiada
pelos contribuintes dará um sinal econômico errado aos desavisados
consumidores, provocando uma perda de eficiência no consumo da energia
elétrica.
A despeito de tudo o que ocorreu para viabilizar o leilão, cabe
considerar que as condições para a construção da hidrelétrica nunca
deveriam ser tais que viessem a obrigar o próximo governo a arcar com
custos desse montante dentro do Orçamento da União, mesmo que seja via
capitalização da líder do consórcio, no bojo da reestruturação da sua
holding, ora em curso.
Pelo que se analisa no processo, há competência, sim, em fazer
prevalecer o voluntarismo, mas não há transparência nas ações, mesmo
que os fins justifiquem os meios.
SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA
(CBIE) E ENGENHEIRO, CONSULTOR NA ÁREA DE ENERGIA E NEGÓCIOS DA ABEL
HOLTZ & ASSOCIADOS