FOLHA DE SP - 20/09
MITT ROMNEY insultou quase metade dos americanos no vídeo em que foi flagrado dizendo bobagens estatísticas, políticas e eleitorais a seus pares. Pelo menos é o que dizem os espíritos mais humanitários a respeito das vulgaridades intelectuais do adversário de Obama.
Romney pode até ter insultado muita gente, mas talvez não todos aqueles de que desdenhou com seus comentários desmiolados, parecidos com os de peruas ricas do Brasil, por exemplo.
Em suma, Romney disse que 47% dos americanos querem viver encostados no governo, não pagam impostos, não se viram, não têm ambição, não "trabalham duro", frases arquetípicas dos EUA. Romney acha, pois, tolamente, que essa gente está com Obama e não vale a pena nem uma conversa eleitoreira.
A ideia de que o governo não tem nem o direito nem o dever de interferir na vida de alguém, mesmo para "fazer o bem", é maciçamente majoritária pelo menos no vasto meião que fica entre faixas estreitas da Costa Leste (mais para a Nova Inglaterra) e da Costa Oeste (em alguns trechos da Califórnia e olhe lá).
Mesmo a maior parte do centro à esquerda defende cheia de dedos a ideia de "programas sociais" (benefícios para os mais pobres). Usam frases como "safety net" (rede de proteção, para quem caiu na vida na corda bamba), como se a pobreza fosse um acidente.
Muito americano pobre, branco, do sul e centro sul, que gosta de dar tiro e é religioso cristão abilolado, fundamentalista, recebe assistência social. Mas detesta o governo, acredita no individualismo americano, odeia "a elite branca" liberal da Costa Leste e ainda mais um democrata negro, embora centrista banana, como Obama.
Terão sido insultados por Romney? Sabe-se lá, mas o falatório do republicano revela o quanto ele pensa mal até sobre tática de eleição.
Incluiu no seu desdém conservadores de raiz (brancos do meião americano). Insultou velhos aposentados, ex-contribuintes, mais de metade dos que não pagam impostos.
Insultou americanos centristas ou até direitistas, mas caridosos e "ativistas sociais privados" (embora muita gente ache mesmo que os pobres assim são porque cometeram algum tipo de pecado).
Ainda assim, benefícios sociais para pobres, velhos e deficientes são uma despesa grande do governo.
Assistência para a saúde de idosos e pobres (não é universal nem totalmente grátis) leva 21% das despesas. Mais que o monstruoso gasto com defesa (19,4%) e quase tanto quanto a Seguridade Social (basicamente aposentadorias, 20%).
Cada uma dessas despesas leva uns 5% do PIB americano e toda a receita federal dos EUA. O resto do gasto, quase 9%, é deficit. Sim, senhor, receita de uns 15%, gasto de uns 24% do PIB.
O deficit veio do tombo das receitas devido à crise de 2008, cortesia dos amigos de Romney. Devido aos gastos extras com guerras, iniciadas pelo republicano Bush. Muito pouco se deveu à ajuda aos desvalidos desdenhados por Romney.
A pobreza, a necessidade de auxílio, cresce desde o início dos anos 1980, quando começou um bárbaro processo de concentração de renda nos Estados Unidos, com estagnação dos salários medianos e piora do mercado de trabalho. Os americanos querem "trabalho duro". Mas não encontram.