Medicamento tomado para driblar bafômetro não garante
zero de álcool e ainda pode ter efeitos colaterais
Sandra Brasil
Julian Smith/Corbis/Latin Stock |
Quem costumava beber e dirigir e agora tem receio de ser pego pela fiscalização mais rígida conta com duas opções: 1) não beber e dirigir; 2) procurar um jeito de burlar a lei. Muita gente neste último grupo deve achar que seus problemas acabaram. Circula na internet o nome de um comprimido milagroso que, em questão de minutos, deixaria o bêbado sóbrio o suficiente para enganar qualquer bafômetro em blitz de trânsito. O medicamento é o pidolato de piridoxina, vendido por 36 reais com o nome comercial de Metadoxil. Lançado no Brasil em setembro pelo laboratório italiano Baldacci, o remédio é um derivado da vitamina B6 que acelera o processamento do álcool pelo fígado, indicado para o tratamento de alcoólatras e de portadores de doenças hepáticas decorrentes do consumo excessivo de álcool. Beber e depois tomar um remédio para supostamente enganar o bafômetro é de uma estupidez fenomenal – e, pelo que dizem os especialistas, inútil. "Dependendo da quantidade ingerida e do metabolismo individual, o álcool leva entre três horas e meia e cinco horas para ser metabolizado. Com o Metadoxil, esse tempo pode ser reduzido para uma hora e quinze minutos. Mas não existe experiência nenhuma que demonstre que o remédio vai zerar o bafômetro", informa o diretor médico do Baldacci no Brasil, Ronaldo Abud. "E ele só deveria ser vendido nas farmácias com receita médica, o que não tem acontecido", acrescenta.
Fotos Rubens Cavallari/Folha Imagem e Pedro Rubens |
TESTE FINAL |
Mesmo o uso correto do Metadoxil ainda não tem unanimidade. Nos Estados Unidos, o laboratório não apresentou pedido ao FDA, o órgão que examina novos medicamentos. Como é freqüente com remédios novos, ainda existem poucos estudos sobre seus efeitos a longo prazo. "O Metadoxil está longe de ser um consenso na literatura médica inclusive para tratamento de dependentes do álcool", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, professor da Universidade Federal de São Paulo. "Ele reduz um pouco os efeitos do álcool, mas não o suficiente para que a pessoa possa sair dirigindo tranqüilamente uma hora depois", alerta o médico André Malbergier, coordenador do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Nos dois meses seguintes à entrada em vigor da Lei Seca, em 20 de junho, o medo da multa de 957 reais, da cassação da habilitação por um ano e até da prisão levou a uma redução de 13,6% nos acidentes fatais de trânsito. No terceiro mês, a queda foi menor (balanço de três meses: menos 8%), principalmente porque a fiscalização diminuiu. Em Brasília, uma das raras cidades onde a atividade da polícia é intensa e acontece não só nos fins de semana, a mudança de comportamento aparece mais. "As mesas que antes eram ocupadas por um casal que bebia hoje têm quatro pessoas – três bebem e uma não", diz David Lechtig, dono de seis restaurantes na capital. E o não-bebedor já segue um padrão: "Tem sempre uma mulher que só fica no refrigerante".