O GLOBO - 07/11/11
Em seu instigante artigo "Corrupção e poder", publicado no GLOBO deste domingo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denuncia a cristalização de um esquema de manutenção de poder baseado na corrupção: "O que era episódico se tornou um sistema, o que era um desvio de conduta individual se tornou prática aceita para garantir a governabilidade."
A busca do poder com base na corrupção sistêmica é atribuída por FHC a "uma visão de mundo, uma ideologia que santifica o Estado, que justifica eticamente o que se faz dentro do governo e faz de conta que não vê o desvio de dinheiro público, desde que seja para ajudar os partidos a se manterem no poder". Um estadista entre nossos ex-presidentes vivos, FHC já nos advertira antes quanto ao "ressurgimento de um autoritarismo burocrático com poder econômico e financeiro, um capitalismo de Estado dirigido por partido hegemônico atuando sob interesses de grandes corporações".
FHC registra a degeneração da política brasileira, "do fisiologismo, do apadrinhamento e do clientelismo tradicionais do governo Sarney" até a fase atual, em que "os partidos se aninham em ministérios e constroem redes de arrecadação por onde passam recursos públicos que abastecem seus caixas e os bolsos de alguns dirigentes, militantes e cúmplices. Há apenas dois lados: o dos partidos da base governista, que são os condôminos do Estado, e o lado dos que estão fora da partilha do saque".
A aproximação histórica entre enormes estruturas burocráticas de administração centralizada e regimes políticos degenerados é abundantemente documentada. A questão política fundamental não pode ser apenas como chegar ao poder e mantê-lo, mas essencialmente em que dimensões se exercerá tal poder.
As denúncias de FHC fazem eco entre os que se dedicam à construção de uma Grande Sociedade Aberta em terras brasileiras. São mais do que apenas um novo capítulo de uma feroz disputa intestina de nossa obsoleta social-democracia, embora tenham os tucanos mexido na Constituição para garantir a reeleição de FHC, mas não para fazer as necessárias reformas de modernização. Como o ex-presidente teve a seu alcance, por dois mandatos, a possibilidade de encaminhar não apenas uma reforma política como também uma reforma dessa hipertrofia do governo federal, verdadeira máquina de moer adversários, pouco mais poderia fazer agora que desejar à presidente Dilma boa sorte na faxina.