Política
Perda de chão Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 09/08/2011
Ao longo da forte turbulência de ontem, os administradores de dinheiro tentaram desembarcar maciçamente de aplicações mais arriscadas e buscar refúgio nas aplicações percebidas como mais seguras. Paradoxalmente, a segurança foi buscada justamente no título de dívida do Tesouro americano, agora rebaixado pela agência de avaliação de risco Standard & Poor"s (S&P). Isso mostra que não há para onde fugir.
Os rendimentos (yields) desses ativos caíram fortemente (veja no gráfico ao lado) em consequência de enorme procura. (Caem porque os juros desses títulos são prefixados. Se há mais demanda, eles ficam mais caros. Mais dinheiro pelos mesmos juros equivale à queda do rendimento.)
As perdas das bolsas em todo o mundo foram pesadas (veja o Confira). Não foram mais porque, em parte, o Banco Central Europeu fez agora o que recusava: recomprou perto de 2 bilhões de euros em títulos de dívida da Itália e da Espanha, as duas economias mais ameaçadas de contágio. Mas essas recompras no mercado secundário também apresentam riscos. Se feitas em demasia, mais cedo ou mais tarde, a monetização das dívidas públicas será vista como novo abuso, na medida em que implica cobertura de rombos orçamentários com emissão de moeda.
Além do grande ajuste patrimonial, o efeito mais provável na economia dos países ricos será o retardamento da recuperação da produção e do emprego. Apesar de visto como nova força, o Brasil deve perder mercado para sua produção e, possivelmente, também algum acesso ao financiamento externo.
Por toda parte, espocaram críticas à decisão da S&P de degradar os títulos do Tesouro americano, ou por erros de avaliação ou por precipitação. Como ainda ontem observou o Washington Post, a S&P pode ser culpada por muita coisa no passado e mesmo agora. Mas não se pode criticá-la pela razão mais importante que explicou seu veredicto: a "débil e improvisada política fiscal" americana, que não transmite segurança de que seus compromissos de longo prazo sejam honrados. Se a S&P estivesse tão errada, os mercados a teriam ignorado. E, quando disse ontem na TV que "o rebaixamento do rating nos deve trazer novo senso de urgência", Barack Obama acabou por justificá-la.
As críticas são de que as agências de risco ficaram poderosas demais. Elas foram criadas nos Estados Unidos há quase cem anos, dada a necessidade de alguém atestar a qualidade dos títulos nos quais investem bancos centrais, seguradoras, fundos de pensão e instituições, que precisam de segurança absoluta dos ativos do público.
Está difícil prever os desdobramentos da crise. Aumentou o risco de um colapso global do crédito. A vacilação dos senhores do mundo mostra que a situação não está sob controle e que o contra-ataque coordenado não está sendo visto como saída. O pronunciamento de ontem do presidente Obama não ajudou a buscar novo chão para as finanças globais.
As atenções se voltam para os grandes bancos centrais. Para hoje está agendada reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para redefinição dos juros. Com a palavra, o presidente Ben Bernanke.
CONFIRA
Chá da China
As posições do governo comunista da China, sobre o rebaixamento da dívida dos Estados Unidos, estão próximas das manifestadas pelas lideranças ultraconservadoras da facção do Tea Party. Sábado, a agência Xinhua chamou a economia americana de "viciada em dívidas". E, ontem, o jornal oficial do Partido Comunista da China, o Diário do Povo, não deixou por menos: "O que está à beira do precipício não é a economia global. É a política de Washington"
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